domingo, 31 de maio de 2009

Simples

Nessa simplicidade toda, sem nada estranho, sem nada extraordinário, a vida toma forma, toma jeito, toma tento, toma todas.
Cambaleando de volta pra cama, acabo por confundir os caminhos e tropeçar nas palavras. O caminho é curto, mas demora tanto com as interrogações martelando a cabeça. Será? Será? Será?
Nessa despretensão toda, as palavras brincaram comigo e o uso do mesmo idioma do início ao fim gera mais que compreensão. Identificação.
Acho que é bobagem, mas realmente parece ser possível sonhos voltarem a existir. Cada vez que eu falo de um sonho que havia morrido, sinto que ele volta a reverberar nas paredes da alma.
Deparo-me com o início do mês e de tanta coisa que pode mudar nos próximos 30 dias, coisas que estão em andamento.
Faz até a vida ganhar um pouco de sal, isso porque ainda dá tempo de um sorriso doce.

segunda-feira, 25 de maio de 2009

Mergulho

Na sexta à noite, já era evidente que a situação havia fugido do seu controle, se é que em algum momento já esteve. Mesmo com a aparente melhora ocorrida nas últimas semanas, o mal arraigado não se retira tão facilmente. A doença o corroia fazia tempo e, por fim, parecia que a batalha estava chegando a seus momentos derradeiros. Seus olhos fundos e cheios de falta de vida, a palidez e o cheiro funesto que emanava da suas palavras davam claras evidências de qual lado sairia vencedor. Como tudo na vida, era apenas uma questão de tempo até que algo mude ou até que houvesse desistência. E ele estava cansado de relutar, cansado de melhoras temporárias que só indicavam que o algo pior estava por vir, cansado de esperar por um milagre que só Deus sabe se viria. E naquela sexta, ele sabia que a pequena força que havia juntado era porque o próximo golpe seria um ultimato. Então veio o sábado de manhã.

O dia havia começado como sempre começava, mas aquela sensação de inquietude enervava seus passos e cada movimento parecia exigir a força que deslocasse uma montanha. Questionou-se se deveria ficar na cama pois olhou para baixo e via apenas os dois pés esquerdos. Mesmo assim resolveu levantar. Apoiava-se em seu único fio que o ligava de fato à realidade, o único que o fazia se sentir ainda humano, ainda capaz de derrotar essa doença. E em alguns segundos, ele decepou os laços faltantes com suas decrépitas mãos e viu, descrente, o último feixe de esperança sendo selado além de seu alcance. Naquele momento, as raízes de sua doença que haviam se espalhado no silêncio com velocidade vertiginosa, trouxeram à tona a percepção, mesmo irracional, de que finalmente havia perdido o pouco que lhe faltava. Ecoou dentro de si um grito alto que foi contido pelos lábios e semblante inabalado. Não era um grito de dor apenas, era um grito de desespero. De desistência.

Essa doença é um mal que avança aos poucos, devastando corpo, alma e espírito. Ainda não contente com o sucesso, consegue minar a personalidade, fazendo com que os expectadores vejam não mais a pessoa que antes ali vivia, mas apenas a doença. Aos poucos, até o seu nome abre espaço e deixa de ser. Ele se encontrava neste estágio - olhava para o passado e viu, golpe a golpe, seu alicerce sendo destruído. Mais que seu corpo sendo atacado, ele via sua fé, sua esperança, ruindo com as muralhas de seus valores. "Quanto tempo mais até que esqueçam meu nome?", ele se perguntava. E, naquele sábado, ele não viu mais motivo para se perguntar.

Nenhum dos recém-chegados planos ou desejos era capaz de subsistir esse levante. O único sonho antigo que ainda estava vivo era diretamente ligado ao elo destruído. E, por fim, viu-se novamente nas trevas, envolvido pela doença, sem cura. O resto do sábado foi andando sem rumo, repouso sem descanso, tudo por detrás de uma máscara que não fazia mais sentido usar. Mas, por um tempo, resolveu guardá-la. Era apenas uma questão de tempo para que ela também fosse esquecida. O sono foi pesado, permeado de desejos intensos para que se tornasse eterno. Mas quem ele queria enganar? Se não havia sido fácil até então, porque seria neste sábado à noite? Não morar sozinho e se sentir como se assim fosse é muito pior do que estar sozinho de fato.

E no domingo, chegou o mar de interrogações que estavam estocados dentro do peito. Vez ou outra ele emergia, mas logo era contido pela represa da responsabilidade e necessidade. E, mesmo sabendo de algum modo que tinha valor, que era amado e que talvez houvesse saída, não conseguia achar motivo para que aquilo existisse. Pior ainda, não via como fazer com que durasse. Olhou para suas mãos que estavam feridas por se segurar com tanta força ao resto de vida que lhe sobrava e resolveu que era hora de largar. Cumpriria seu papel por mais um tempo, como se fosse seu aviso-prévio à existência. E assim seria abraçado completamente pela doença, que agora se tornara sua cura. O veneno que é remédio. Sabia que os braços dela, quando envolvem, são carinhosos e cálidos, são também aqueles que te levam para o abraço gélido da morte. Não havia mais motivos, se é que um dia houve, para querer se segurar, querer viver. Soltou da corda e começou a cair lentamente para o doce abraço da solidão.

Domingo só não é o pior dia porque logo depois vem a segunda.

segunda-feira, 18 de maio de 2009

As letras que (in)definem a vida nas entrelinhas

(Um pouco de quem escreve, pois essa é a prova de que eu acredito nisto que faço. Escrevo.)

Nunca gostei de limites, acho que foi por isso que abandonei a igreja por um tempo e abandonei a religião definitivamente. Afinal, se eu mal consigo limitar a minha imaginação, como poderia limitar um Deus que vai além de tudo que eu consigo pensar e imaginar? E hoje a minha fé, mesmo sendo tão pequena, é toda dEle, não esbarra em nenhuma regra, lei, dogma ou doutrina. E, por isso, que voltei a ir pra igreja. Porque lá, quando as pessoas falam dEle e com Ele, eu consigo vê-Lo assim, tão simples, sem pompa ou vestes brilhantes, sem regras ou restrições. E eu aprendo a vê-Lo também aqui, do lado de fora. A velha história de quem faz a escola é o aluno.

Mas, o intuito de falar dessa aversão a limites é tentar explicar porque eu gosto tanto de ler e escrever. Acho fantástico o fato de que nos livros se pode inventar histórias, contos, personagens. Pode-se até criar palavras, cores, sentimentos. Mesmo a página tendo suas margens e limitações, entre os quatro cantos da folha, não há restrição alguma. As palavras extrapolam das linhas, das folhas e perde-se a noção das páginas que se foram, das que faltam e em uma frase se constrói um mundo. Há quem diga que essa visão romanceada de tudo faz com que eu deixe de enxergar a vida como ela é. Eu comecei a aceitar essa idéia mas hoje eu percebo que resolvi ver a realidade como ela é, mas sem ignorar o que ela pode ser. Sem ignorar as entrelinhas. Vou tentar explicar com um exemplo. Hoje de manhã eu vi uma menina de uns 3 anos com uma mochila nas costas. Ela estava nas costas do pai, que ia de bicicleta levando a menina pra escola.

(A primeira constatação é que eu sempre parto do detalhe para o cenário completo. Acredito que cada peça do quebra-cabeça tem sua história para contar e que, na história, ela explica o motivo de ter se encaixado naquela figura toda. Por isso um amigo meu me disse um dia (e também é o título do blogue), "vejo o macro no micro".)

No começo achei bonita a cena, coisa de pai e filha. Depois achei graça de ver a menina carregando a mochila e sendo ela mesmo uma mochila para o pai. Depois de alguns segundos, achei interessante o fato de que a menina carregava em sua mochila os materiais que a fariam aprender e a crescer. E do mesmo modo, a filha, sendo mochila, carregava dentro de si tantas coisas que faria o seu pai crescer. E do mesmo modo que na mochila da filha se escondia coisas que até ela mesma desconhecia (tem sempre um livro com uma parte não lida, um caderno com linhas não escritas), nela também havia coisas desconhecidas que serviriam de aprendizado para o pai. Ao chegar na outra rua, uns 150 metros mais tarde, já via todos como mochilas e mochileiros, cada qual guardando dentro de si tanto para ensinar e que muitas vezes desconhecendo a sua capacidade. Do mesmo modo, cada um carrega a mochila que julga interessante para dela aprender. Assim escolhemos as pessoas (ou mochilas) que carregamos para lá e para cá em nossas vidas. Uns escolhem porque são bonitas ou de marcas famosas e caras, outros porque acreditam que dentro delas (mesmo sem elas mesmos acreditarem), tem algo que vale muito a pena.

Acredito que não escondi a realidade ou menti pra mim mesmo vendo uma ilusão. Eu vi a cena mas, na minha mente, seria pequeno demais aceitar que uma cena tão interessante fosse apenas uma imagem de um pai levando a filha para escola. E tenho certeza que se conhecesse a história deles, de onde vieram e para onde estavam indo, tudo ficaria tão mais interessante e amplo. Uma imagem vale mais do que mil palavras, mas aprendi que uma palavra pode render mil imagens também. (Acho que por isso que enxego parênteses em tudo). Pra tentar resumir tudo, resolvi não abdicar do meu modo de ver o mundo, mas aprendi com as "mochilas" que eu levo comigo, que não posso abdicar de ver a realidade como ela é. Vivo aqui, mas vivo também lá, "detrás do mundo quando começo a pensar". E essa visão de estrangeiro é que me permite querer ouvir, entender e aprender sempre que acordo de manhã.

Leio e, principalemte, escrevo, porque gosto de tentar colocar no papel que tudo vai além do que se vê. Tento relatar um pouco de como vejo o mundo, falar um pouco sobre o que carrego aqui na minha "mochila". E, assim como o pintor que mescla as cores e coloca na tela branca para revelar algo que acontece dentro de si, eu também o faço. Só que o meu pincel é o lápis, as minhas cores são as letras e palavras e a minha tela é o papel em branco. Mas as definições e os motivos mudam com o tempo, não há limites ou encaixes fixos. Sigo um pré-escritor.

terça-feira, 12 de maio de 2009

Tragi-comique

Era um sorriso simples, sem pretensões ou segundas intenções. Mas havia um grito surdo que ecoava dentro de si, um som terrível que seria capaz de causar agonia aos mais calmos de espírito. E era este clamor ininterrupto que impedia que os olhos se secassem por completo.

sexta-feira, 8 de maio de 2009

Um dia após o outro

Naquela manhã fria de sexta-feira, as calçadas do parque estavam estranhamente vazias. Nas árvores as últimas folhas se desprendiam e caiam em câmera lenta até o chão. Ou talvez era o topor do sono que não me deixava ver direito pelas pálpebras entre-abertas. Era aquele momento em que não se vê nem se ouve claramente, as imagens e os sons formam uma cornucópia inteligível que se mistura com as vozes reverberando do mundo onírico. Ainda sonolento, fiz uma prece, a única que tenho conseguido fazer. Pedi paz, aquela de que Paulo falou aos moradores de Filipo, a que excede compreensão. No trecho em que caminhei, o vento estava frio mas o ar agradável. Sem peso nem receio, mesmo consciente do que haveria de vir.

Sempre gostei de olhar para o céu. Quando criança, o maior desejo era voar - até enfiei o dedo na tomada pensando que um choque poderia me dar poderes. Acabei tomando um choque e ainda com um pulso torcido por ter tentado voar pulando da janela. Mas algo lá em cima sempre me fascinou. Olhar para o alto era a confirmação que tudo aqui embaixo não era tão importante assim. Era como se algo puxasse pra cima, além das nuvens, além da chuva, na luz direta do sol do meio-outono ainda feita-tímida pelas primeiras horas da manhã. Foi esquisito não sentir os braços gelados, as dores nos joelhos e o sono capaz de sobrepujar as doses mais cavalares de cafeína.

Aos poucos, assim como Pedro ao olhar para a tempestade, comecei a afundar novamente na minha realidade. A mochila nos ombros, os carros, as buzinas, uma risada estridente, um xingamento cá e lá. Quando o farol abriu, eu já sentia os joelhos doloridos e bocejava. O relógio marcava oito e meia quando entrei no banco e o tempo começou a passar novamente. O céu não é igual visto daqui de dentro, mas além do concreto o sol começou a brihar. Um momento lá em cima era tudo que eu precisava. E sigo assim, meio sem jeito, até o dia em que não haja vidros entre o céu e eu.

segunda-feira, 4 de maio de 2009

And so came Fall

Se fumasse, acho que seria o momento ideal para acender um cigarro.

O vento estava frio e as mangas curtas começavam a ficar nos armários. Já era outono, as folhas secas se moviam com o vento, serpenteando no chão entre as pernas dos transeuntes. Naquele canto, a praça, mesmo que diminuta, parecia englobar o mundo todo. O monumento no centro que antes fora ridicularizado, parecia mandar mensagens indiretas, como se corroborando aquilo que queria ouvir mas ninguém ousava falar. As respostas vem quando as perguntas certas são feitas.

A verdade é que a segunda-feira parecia quarta e o bla-bla-bla ritmado da sala de aula era uma mistura de suco de maracujá com calmante. Por mais que o assunto fosse interessante, não havia como manter-se focado e aquele passeio na noite quase-fria pareceu ser a melhor opção. Meia hora depois, mesmo não sendo novos ares, o sono tinha dado uma trégua e resolveu que estava tarde demais pra ficar pensando.

Olhou de soslaio duas meninas que estava no canto da praça, esticou as pernas e voltou pra sala.