terça-feira, 30 de novembro de 2010

Quarentena Lowtech


A proposta é ficar 40 dias (entre 01/12 e 09/01) sem acessar twitter, google (isso mesmo, google), orkut, facebook, youtube, reader, etc. A única exceção é a de verificar o email algumas vezes por dia - questão de necessidade.
Normalmente, uma vez por ano, tento viver por um período sem algo que ocupa grande espaço na minha vida - seja um tipo de alimento, um lugar ou um hábito). Além do desafio autoimposto, há também a busca por uma solução para a minha suposta falta de tempo e o resgate da necessidade de esforço para conquistar as coisas.
O que ocorre hoje é praticamente uma terceirização da nossa memória - não precisamos mais guardar informações, o google nos lembra de tudo. Números de telefone, temos os nossos celulares que age como nossa memória. E assim por diante.
Claro que não pretendo ficar distante da modernidade por muito tempo - a vida pode (e deve) se tornar mais fácil com o tempo. Mas, vez por outra, é bom relembrar de como era difícil ter acesso a certas informações.
Além disso, não acessar as redes sociais e não ter acesso aos mêmes e vídeos do momento, podem gerar uma espécie de alienação virtual e uma reconexão com a vida real. Depois do período, pretendo fazer um balanço de como foi a experiência e o que consegui aprender e atingir nesse tempo.
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segunda-feira, 29 de novembro de 2010

Escrito na pedra


Na sua lápide estava escrito: O mundo é ignorante.
 
Cansou da desobjetividade da sua existência efêmera. Decidiu deixar pra trás o ponto sem nó. Nada mais de partida, sem vinda. Nem sexo sem nexo. "Quo Fata Ferunt", declamou à egrégora de pessoas feitas de vento que compravam e o ignoravam na loja.
 
Quem muito fala, muito se expõe. Aí foi acometido pela lepra social. Cada passo pra frente era respondido com dois alheios pra trás. Ignorado pelos amigos imaginários, esquecido pelos amores platônicos, e sofrendo de inanição por se alimentar apenas de frutos da sua imaginação. A alma estava desnutrida pela falta de fé, o espírito combalido pelo combate perdido.
 
A fuga durou pouco e a insustentável situação em que vivia o impulsionou a uma busca desesperada por algum contato, o mínimo se sequer. Privado de abraços e sorrisos, definhou até que riu sozinho.
 
Na carta deixada para os familiares que foram incumbidos do enterro, apenas uma frase que foi gravada eternamente aos olhos cegos de quem não queria ver. E o mundo seguiu ignorante.
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segunda-feira, 22 de novembro de 2010

Miopia, estrabismo e desgosto


Vez ou outra, os olhos devem sair das redondezas e voltarem-se ao próprio umbigo. Conhece-te a ti mesmo, estava escrito nos pórticos do oráculo. Analise a ti mesmo, disse Paulo. Um olho no umbigo e outro no horizonte, o estrabismo necessário para anular a miopia da nossa autopercepção.
Poucas coisas frustram mais uma pessoa do que a percepção de uma realidade indesejada. Há uma frustração que é decorrente da quebra de um ideal e o surgimento de um conceito mais humano. A pessoa deixa de ser ‘perfeita’ para tornar-se ‘uma de nós’. Nunca me esqueço de uma vez que ouvi de um amigo, uma frase sendo falada com grande espanto – “até você se machuca”. Tento impor padrões mais altos – há quem diga, espartanos – para meu comportamento e atitudes. Busco sempre melhorar, ser mais equilibrado e ser irrepreensível aos meus olhos e aos olhos de quem eu me espelho.
Apesar de não conhecer até onde posso chegar (o tal do potencial a ser descoberto), há inúmeras barreiras e limites que são (auto?) impostos na atual realidade. E nesse esbarra aqui e acolá que a insatisfação e a angústia acabam emperrando as engrenagens e impedindo o agir. Há na gestão de projetos algo chamado de caminho crítico – seria como as ações que devem ser completadas para que outras possam começar. Se uma trava, o resto não anda. Para que possamos fazer mais do que fazemos hoje, precisamos também aumentar nossa capacidade de realizar e nosso potencial de crescer. A frustração maior é por querer ser mais do que se pode ser. Como disse Churchill, “não podemos esperar atingir excelência maior do que o potencial de realizar”.
E no meio de atitudes irracionais, decepções geradas e internalizadas, ansiedade pendular e a angústia que bumerangueia, fica a expectativa emperrada, confiança abalada e a ação colocada em espera.
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quinta-feira, 4 de novembro de 2010

Vita brevis, dura lex


Vita brevis, ars longa. A máxima latina, que indica que a nossa vida é breve, mas o que criamos perdura, tem se tornado uma dura sina na nossa sociedade atual. Não que tenha perdido sua valia, mas hoje exemplifica bem como tentamos derrotar a nossa temporalidade por intermédio de nossas ações, deixando um legado que ganha importância pela numerosa atuação e não pela qualidade e profundidade de cada uma delas.
 
Esta ganância por sempre ter e fazer mais pode ser traçado também até o conflito entre o ter e o ser, geralmente atribuída como epítome da discussão filosófica entre oriente e ocidente. A temporalidade da vida humana em comparação com a continuidade de sua existência está bem expressa na cultura e até no idioma. Por exemplo, em japonês, usa-se a mesma palavra pra pó e orgulho e, a escrita de humano é feita com dois ideogramas - o de pessoa e o de período de tempo. Acredito que esta percepção é algo decorrente do tempo que um povo existe e amadurece, portanto, é uma questão de tempo até que o lado de cá, os povos ainda "não-milenares", compreenda e aceite que o tempo é inexorável e que a nossa existência não se mede pela miríade de ações apenas.
 
O que ocorre hoje em dia é que há uma dificuldade inerente à geração do mundo instantâneo de reconhecer a necessidade de um processo temporal para se atingir algo. Tudo se obtem com mínimo esforço - na verdade, a luta do homem, desde que inventou a roda, as polias e outras mais, é a de conseguir obter êxito nas suas ações com o mínimo de esforço. O que acontece é que as gerações que iam conquistando estes avanços passavam para as gerações seguintes não apenas o resultado, mas todo o processo e a importância dessa mudança. Era dado o devido valor ao que se alcançava. A tal da geração Y hoje, apesar de ter recebido todos os frutos dos avanços colossais das últimas décadas, não parece ter aprendido o real valor desses avanços - os remanescentes da minha geração, por exemplo, entendem muito bem como a informática, a internet e a tecnologia tornaram nossas vidas mais fáceis - por isso também somos mais reticentes na adaptação e também no descartar e mudar. O cerne da questão é que essa facilidade e agilidade em se obter praticamente tudo, geram uma incapacidade de entender a necessidade de tempo para que os processos de maturidade sejam realmente desenvolvidos. Há uma geração doente, que não sabe se é criança ou adulta, que não sabe assumir responsabilidades ou defender suas próprias convicções, se é que possuem algumas que são realmente próprias.
 
Com a internet e o boom da comunicação, somos bombardeados a todo o momento com novos dados. Tornamo-nos 'infoholics', dependentes de recebermos quantidades massivas de informação - na maioria das vezes, inútil - para que, assim, justifiquemos a nossa existência. Abre-se o leque para que aquilo represente a sua vida. Eu não sou o que sou, sou o que sei. Esquece-se, todavia, de um detalhe crucial - informação não é sabedoria. Michel Melamed, no seu livro 'Regurgitofagia', diz que temos que literalmente vomitar toda a informação que tragamos para então comermos novamente apenas aquilo que queremos. A capacidade de filtrar está vitalmente deficitária em nossas vidas, e isso nos torna não pessoas cheias de conhecimento e sabedoria, mas sim HDs ambulantes que apenas recitam o que foi baixado em sua memória. Esta overdose de informação gera, dentre outras consequencias, o advento de um conceito distorcido de que a informação que aparece mais vezes é algo mais importante. Essencialmente ligada à questão exposta inicialmente de que a atuação numerosa é tida como mais importante que a profunda.
 
O que vemos hoje em dia é como pessoas se tornam ícones na sociedade sem ter feito nada, apenas pela quantidade de informação gerada e divulgada. Vide as pseudo-celebridades do twitter, as 'Geisis Arrudas', os ídolos pop. Uma sociedade que um dia buscava ser e pensar como Sócrates, Marx, Luis Carlos Prestes, hoje procura ser como Justin Bieber, Restart e outros. Fama é vista como sucesso - arrisco-me a dizer que na maioria dos casos, apenas a fama é vista como sucesso, mesmo sendo conceitos muito diferentes. Dentre as diversas diferenças, pode-se dizer que enquanto o bem sucedido torna-se suscetível (às influências da sociedade, às oportunidades que se apresentam, às opiniões de terceiros), o famoso torna o outro suscetível (ao seu exemplo, às suas ações e suas opiniões).
 
Entendo que pode se traçar toda esta reflexão a estes três fatos - o falso conceito de que mais é sempre melhor, a confusão entre sucesso e fama e a influência dessa distorção de conceitos no nosso convívio social. Apesar de ser um dos pivôs da expansão nazista, Joseph Goebbels disse uma frase que é relativamente correta, considerando a percepção do povo - "uma mentira muitas vezes repetida, se torna verdade." O que eu percebi é que há uma nova vertente dessa frase - "o óbvio dito muitas vezes, se torna extraordinário." O objetivo mais árduo de ser atingido é o de encontrar algo realmente extraordinário em um mundo superestimado.