segunda-feira, 24 de janeiro de 2011

O sonho que cansou de ser


Sonho de infância, sonha a criança
Com raízes desde quando o primeiro dente caiu
Sonho de leite, sonho permanente
Até que a vida desmente o anseio pueril
 
Não era um sonho qualquer
De terminar a escola, de jogar bola
De crescer, de ter um superpoder
 
O que sonha se desprendeu e fugiu
Da saia da mãe, da sombra do pai
Tornou-se gente, coração doente
 
Cansado da procrastinação, desistiu.
Piagetiando, dobrou a esquina e deixou de ser visto.
Deixou de ser.

quarta-feira, 19 de janeiro de 2011

Neverending cycle

Originalmente postado em 12/03/2007

Viver a manhã esperando a tarde

Viver até tarde esperando amanhã
Notívago, gritando adeus
Insône, pedindo a Deus

----------------------------------

E quem quer essa vida de viver Janeiro querendo Julho, não vendo a hora de dar Setembro pra que fique mais perto de Dezembro?
E quem quer essa vida de acordar só pra pensar na hora que vai poder voltar pra cama? Que a maior alegria do dia é quando ele acaba?
E quem quer essa... vida?

----------------------------------

Não tem mês passado nem mês que vem no meu calendário.
Não acredito em auto-ajuda, quando se precisa de outra pessoa ou livro.
Não acredito em amor à primeira vista. Nem à segunda.
Não fico com a primeira impressão.
Não preciso ver pra crer.

Sem prever o futuro
Sempre ver o futuro

sexta-feira, 14 de janeiro de 2011

Criatividade, desesperança e o grilo falante calado (Conto)


Em um boteco qualquer, na véspera de um fim de semana qualquer 
 
Ele estava sentado na frente do bar, esperando os amigos, mas já bebendo o primeiro copo de cerveja. Era uma sexta-feira quente, começo de verão. A semana tinha sido corrida, cheia de trabalho e dores de cabeça e, honestamente, o que viesse naquele momento era lucro.
 
Quando ela dobrou a esquina, ainda distraída com os cachorros que estava latindo do outro lado da rua, ele já sabia que teria problemas. 'Mesmo sem ver os olhos, ele já viu o futuro. Ele contaria essa história muitas vezes, de como se conheceram em um bar e como ele soube, antes mesmo da primeira troca de olhares, que com ela não seria apenas mais um encontro fortuito.'

Ela passou por ele sem dar-lhe muita atenção, apenas um sorriso educado, daqueles que as mulheres bonitas dão pra qualquer um em seu raio de (re)ação. Ele apenas retribuiu com um pequeno meneio de cabeça, incerto se deveria ou não responder o ato retórico. Ela sentou-se à mesa ao lado, com algumas amigas que estavam aos berros antes mesmo que ela se sentasse. Neste mesmo momento, os amigos dele chegaram jorrando risadas aos borbotões e xingamentos em igual quantidade pelo fato de ele ter começado a beber sem esperar os comparsas.

Durante a noite, as duas mesas trocaram sorrisos e comentários, compartilharam idéias, goles e a microvida que era o happy hour naquele momento. Ele olhava pra ela, ela olhava pra ele. Ele sorria pra ela, ela sorria pra ele. Trocaram breves palavras, aquelas que se oferece a todos quando se vê pela primeira vez, as que não ofendem nem defendem, não movem e não deixam estagnar. Toda vez que bebia um pouco da sua bebida, ele via um pouco mais do que viria. 

'Depois de alguns meses de namoro, algumas diferenças se tornariam evidentes. Ele não queria abrir mão de certas coisas, ela tinha ciúmes da melhor amiga dele. Ela colocava a carreira profissional em primeiro lugar e ele não largava da barra da saia da mãe. Ela queria drama, ele preferia comédia.'

Um dos seus amigos disse que deveriam juntar a mesa e, sem nenhuma restrição, todos se levantaram para se aproximarem. Ele sentou-se de frente pra ela, como já era de se esperar. Ela sempre comentava algo e sorria pra ele. Ele estava ligeiramente alterado, mal ouvia o que ela dizia e apenas sorria de volta. Mais algum tempo de papo furado, começaram as trocas de contatos. E-mails, twitters, facebooks, celulares sendo falados, anotados, pesquisados e adicionados. Ela fez questão de anotar os contatos dele primeiro - e apenas dar o número do celular dela pra ele. Ele passou o número de celular também e recebeu uma mensagem de "oi" alguns segundos depois. Eles ficaram um bom tempo conversando, sobre assuntos aleatórios, locais de trabalho, viagens para o exterior e futilidades diversas que faziam parecer que tinham o mundo inteiro em comum, almas gêmeas que estavam esperando esta noite para se encontrar. Os olhares se tornaram mais intensos e os toques nas mãos através das mesas, mais frequentes. Quando os garçons começaram a virar as cadeiras sobre as mesas, todos decidiram ir embora, já entre promessas da balada que combinariam para o sábado que acabara de começar nos relógios.

'Aos trancos e barrancos, chegariam ao primeiro aniversário. Ele querendo mais tempo com os amigos, ela querendo menos tempo com ele. O interesse por outras pessoas apareceria, as brigas se acentuariam e depois de um período de empurrar com a barriga, chegariam à triste conclusão de que não daria certo. De novo. Mais uma ferida, mais um processo de cura, mais um monte de lamúria e lágrimas de tristeza egoísta. E depois de um tempo tudo começaria de novo. Realmente, não teria como dar certo.'

O beijo, no rosto, de despedida foi mais demorado e foi acompanhado com um abraço um pouco tímido. O interesse mútuo era óbvio e a única escolha a fazer era a sua certeza do porvir ou a incerteza do olhar da menina que acabou de virar as costas e olhou de soslaio, entre comentários e risinhos de boas más intenções com as amigas. 

Ela entrou no carro.

'Não vai dar certo.'

Ela olhou de novo pra ele.

'Não tem como dar certo.'

Ela foi embora.

'Você sabe que não vai dar certo.'
 
Pegou o celular 
"Que horas eu te pego pro jantar antes da balada amanhã? Comida japonesa?"
- Enviar - 

'Depois não diga que não te avisei.'

E depois de enviar a mensagem, enviou também uma prece silenciosa para os céus, para que dessa vez a consciência errasse.

segunda-feira, 10 de janeiro de 2011

Dias sem Google, mais e menos vida

Macro no micro (0)


Uma das premissas que estabeleci neste período "sem vida virtual" era o de tornar os laços reais mais evidentes. Mesmo se não fosse uma das premissas, viria a se tornar uma das realidades mais esmagadoras deste período. Cortar os laços virtuais significa depender somente dos laços reais - o que parece óbvio e até positivo, numa sociedade (e na minha vida) que a existência em ambos mundos coexiste (não tão) pacificamente, mas, em primeira instância, interdependente. Num cotidiano com pouco tempo, a vida virtual se tornou não apenas um capricho moderno, mas sim uma janela para o mundo que continua girando.

O resultado desse breve experimento e, todo o comentário subsequente a este parágrafo, deve-se a uma base paradoxal - a solidão e o companheirismo real de mãos dadas, mesmo que não concomitantes, ou talvez menos do que era num cenário da estranha relação entre o virtual e o real.


The things we do together (1)

Tudo aquilo que envolve mais que um ser humano tende a ser menos abstrato. A coexistência de pessoas arraiga com maior afinco os pensamentos e ações à realidade - salvo os cem tios e centauros que devastam sem precedentes a floresta do pragmatismo. Neste período de 40 dias, posso dizer que compartilhei com maior vivacidade meus pedaços de vida com pessoas que são mais que um resquício virtual na minha coleção de amigos-contatos.

Com ela, montei 2 quebra-cabeças. Acredito que tenha sido a primeira (e segunda) coisa real que construímos juntos. Tudo se torna mais real após o primeiro passo. Independente das dúvidas, tudo se esvai ante a certeza de quem se ama e por quem se é amado.


Com os amigos, fiz um curso de culinária japonesa. Sem contar também o Reveillon, que além de colocar em prática os dotes culinários, passei o dia com amigos e foi um dia bem especial. Isso sem contar os encontros no Fran's que persistiram de modo mais intenso. Além disso, devo também destacar a importante insistência de convites que recebo daqueles que julgo serem meus amigos, apesar de me portar sem dar a devida importância que a atitude deles representam pra mim - aquiesci a um dos convites e a recepção calorosa, os olhares misturados de surpresa e contentamento, e até as discordâncias e o ligeiro deslocamento, foram motivos de grande alegria naquelas poucas horas tão significativas.


Provavelmente, mesmo se estivesse com a mesma rotina virtual, eu teria feito tudo isso, porém com uma percepção diferente. O compartilhamento constante nas redes virtuais faz com que toda experiência se torne menos própria, menos minha e, por consequência disso, menos especial. Do mesmo modo que se compartilha a insatisfação pelo trânsito, se fala sobre eventos de maior magnitude. O ordinário se mistura com o especial na vala comum do virtual - a expressividade e a intensidade que se desenvolve de modo tão rico na face e nas ações do ser humano, na virtualidade se transcreve em quantidades de acentos, pontos e suas combinações. A vala comum do virtual é muito mais pobre e mesquinha que a do real.

Do mesmo modo, as relações virtuais são muito mais frágeis, superestimadas e falsas que as relações reais. Esta linha de pensamento pode estar embebida do tônico do egoísmo, mas não deixa de ser verdade. Nos outros, encontra-se o real valor do eu - até no compartilhar, o seu próprio eu se torna mais completo.

Não que haja novidade nas minhas palavras. O que encontrei não foi algo que se perdeu na selva áustera da modernidade - apenas revi a importância que tenho que dar àquilo (ou àqueles) que ao invés de optarem pelo silêncio no tempo distante, estenderam suas palavras a um ouvinte que não ousava depender de seu crédito.

Neste período, para o mundo e os outros, eu morri um pouco e revivi um pouco.


The things I do on my own (2)


Quando questionado sobre o motivo da minha decisão em me abster do uso das ferramentas virtuais e das redes sociais, a minha resposta era simples: "Porque eu posso." Não é meu intuito parecer arrogante, afinal, gabar-se pelo fato de não usar a internet é tão idiota que tal nível de petulância não seria aturado e, por fim, sem dúvida, regurgitado pelo meu ego falho. Propus-me passar por este período para identificar a valia de uma vida sem ramificações e destaques em um meio de maior visualização.


Morri um pouco, pois a morte virtual ocorre de modo tão rápido que em questão de dias, deixa-se de existir. Não estar no "muro" de novas postagens ou sumir da página inicial do twitter é o que basta para passar ao estado decrépito. As mensagens cessaram rapidamente e, as que recebi após os primeiros dias, são decorrentes apenas das interações não-virtuais que compartilhei com alguns amigos.


A sede por informação seguiu do mesmo modo, porém por não ser saciada pelas fontes normais do dia-a-dia, derrubou-se para outra fontes de solução mais imediadista e menos abrangente. Neste 40 dias, li cinco livros, tive que usar atlas e dicionário (bem empoeirados, diga-se de passagem) e, se tivesse em mãos um Guia das ruas, sem dúvida teria se tornado meu melhor amigo nesta quarentena.


A solidão também fez parte do dia a dia. Apesar de não sentir falta de nenhum dos sites abandonados neste ínterim (menos o Google Maps), em alguns momentos houve sim a vontade de acessar o tal do msn, mesmo que fosse apenas para olhar alguns contatos com os quais não queria conversar. Este ímpeto era agravado nos momentos de insônia. Um fato interessante, todavia, é que ao contrário do que ocorria em situações parecidas antes, me senti menos sozinho quando estava cercado de pessoas. Sempre me perdia em devaneios e análises superficiais que me distanciavam do grupo em que estava inserido no momento. Por ter poucos momentos de real interação, acredito que me empenhei em me envolver mais.


Outro fator importante é a troca que ocorreu nos momentos de falar - em alguns momentos que claramente me expressaria ou responderia uma questão, optava por ficar em silêncio por não ter o respaldo da pesquisa rápida na internet para corroborar a minha opinião. Do mesmo modo, das vezes que provavelmente ficaria quieto e procuraria a resposta nos recônditos virtuais do google, dava meu braço (ou língua) a torcer e perguntava aos companheiros ao redor para que sanassem minhas dúvidas.


Se fosse definir em poucas palavras o que esta experiência significou no ponto de vista pessoal, diria que houve um desvínculo com o que não era de fato meu. Ou seja, um vínculo maior com as coisas que normalmente seriam maquiadas pelas muletas virtuais - as dúvidas, as lacunas de conhecimento, as imperfeições. Por fim, (re)tornando-me humano, demasiadamente humano.



Conclusão (3)


Esta experiência não gerou nenhuma conclusão de grande valia, ou epifanias que se ditas mudariam o rumo da humanidade. Houve a reafirmação de coisas óbvias e a percepção da intensidade das coisas reais.


Dentre os óbvios, posso destacar dois pontos:


- Todo limite auto-imposto sem flexibilidade é nocivo;
Optar por não usar a internet em nenhuma ocasião é uma ofensa aos avanços que foram conquistados com o tempo pelo homem. Da mesma forma, depender totalmente das ferramentas criadas é o caminho mais rápido para o emburrecimento, sendo uma ofensa à nossa capacidade humana de raciocinar.

- A vida sem internet seria difícil, mas bem longe de ser impossível;
Durante os 40 dias, não houve em nenhum momento a necessidade de acessar as redes virtuais. Quanto às ferramentas de busca, apesar de em alguns momentos se apresentarem como uma opção mais fácil, não houve em nenhum momento em que foram o último (ou único recurso). A única ferramenta que precisei de fato foi o Google Maps - não encontrei nenhuma alternativa viável para montar rotas nas ruas e buscar imagens de mapas.


No ponto da percepção intensificada, por não haver o refúgio virtual, tanto a solidão como os momentos de companhia se tornam mais intensos. Como disse no item anterior, tudo se torna mais seu e menos do mundo. Não houve nenhuma mudança radical, nenhum momento "powerpointístico" de rever a minha posição, viver como se fosse o último dia e carpe diem. Mas, admito que (re)encontrei um pouco mais de mim nisso tudo. Fica, sem dúvida, a sugestão de reduzir a vivência virtual. Ou, quem sabe, deixar com que sintam saudades virtuais dos seus comentários ou da sua presença nas páginas iniciais das suas redes sociais.

Um pouco menos de você, neste cenário, se tornará um pouco mais de você. Paradoxalmente (in)conclusivo. Mas, que é bom estar de volta, não posso negar.