segunda-feira, 1 de abril de 2013

Por alguns furos a menos no cinto e alguns dias a mais de vida - Reeducação alimentar, dia 22


Hoje é o vigésimo segundo dia da 'dieta'. Ainda não tive resultados concretos ou duradouros - não tem como analisar algo pela sua constância após apenas 21 dias. Mas posso afirmar é que pela primeira vez estou em uma dieta que estou seguindo sem desistências, recaídas e regalias. Acredito que isso se deve a uma série de fatores, alguns dos quais que decidi escrever para auto-conhecimento e também para, quem sabe, dar uma ajuda para as duas ou três pessoas que ainda leem isso aqui.

No fim das contas, aquela história de que a "mudança começa dentro de você" é verdade. Mas é necessário perder a mentalidade cartesiana de que a mudança é apenas linear. Como se poderá ver nas linhas abaixo, para mudar meu peso, eu precisei de fato mudar minha alimentação. Mas isso só se tornou possível após mudar meu pensamento.

1) Transitório que se torna permanente

Vejo sempre comentários e fotos de pratos no Facebook/Instagram sobre refeições e regimes sendo feitos, sempre com a ressalva de "Projeto Verão (insira aqui o próximo ano)" ou algo similar (como "projeto casamento", por exemplo). Não quero julgar o objetivo das pessoas que fazem isso, mas isso fere uma questão básica da nossa vida - a continuidade pós-verão-insira-aqui-o-próximo-ano ou pós-matrimonio. A pessoa se mata em um regime espartano para caber no terno ou vestido, consegue por pouco, quase desmaiando. Na festa, evita de comer (ou respirar fundo) para não abrir a costura ou estourar um botão. Quando tira a roupa, parece que saiu de uma camisa de força. Dois meses depois, boa parte do peso já voltou. O que mais ouço nos relatos de experiências de dietas que foram feitas (geralmente as "bizarras" que a pessoa come um quilo de presunto por dia, corta todo carboidrato ou toma sopas apenas) é o seguinte: "consegui emagrecer x quilos, mas depois que eu voltei ao 'normal', engordei tudo de novo".

Sem querer entrar a questão do imediatismo como mal social (não é este o propósito deste texto), o fato é que em questões relacionadas ao corpo, principalmente após uma certa idade (beirando os trinta, por exemplo), as nossas ações (e reações) começam a ter um perfil mais permanente. Quem nunca ouviu alguém que já passou dos 30 dizendo que "agora não é mais tão fácil perder peso assim"? Como o objetivo do texto também não é entrar no viés biológico-metabólico, deixe-me tentar resumir dizendo que o primeiro fator que me levou a este cenário de sucesso inicial é o de reconhecer que esta 'dieta' ou 'regime' não se trata de algo temporário ou transitório - ainda que parte das restrições sejam de fato momentâneas. Comer menos, de forma mais saudável, com salada, legumes, vegetais, cortando frituras e refrigerantes, evitando doces, tudo isso se trata de algo que tem se tornado permanente na minha vida. A idéia de algo transitório nos dá o argumento de poder deixar para depois (para a próxima segunda-feira, o próximo verão). Agora quando a mentalidade do permanente se instala, você percebe que uma semana a menos de cuidado pode significar uma semana a menos de vida. Mas vou falar mais sobre motivação no item 5.

2) Adaptar sem comprometer

Uma questão que tenho clara na minha vida é que um extremo tende ao outro. Assim, se você come quilos de junk food e outras tranqueiras, a sua concepção de mudança será mudar radicalmente para o outro lado, com folhas, cores e falta de sal. Parte desta dieta foi um corte feroz de certos alimentos que consumia diariamente. Inevitavelmente, em alguns dias senti fraqueza, tontura e um cansaço inesgotável. Ainda sinto, para ser sincero. Nas tentativas anteriores, mantive uma postura irredutivel em relação aos alimentos, não dando abertura para pequenas porções em nenhuma ocasião. Isso levou a recaídas monstruosas - duas semanas sem comer frituras e de repente lá se vão 5 pedaços de pizza; ou da vez que fiquei quase um mês sem comer doce, depois comi praticamente dois chocotones em um fim de semana.

Desta vez, eu admito que não segui à risca o que estava no papel. Não podia comer frutas no começo, mas eu comi mesmo assim. O mesmo com uma batata assada aqui, uma colher de arroz ali. Em doses pequenas, bem menores do que estou acostumado a comer. Mas os verdadeiros "inimigos", eu evitei ao máximo. Aos poucos, eu fui adaptando as refeições. Ainda não encontrei o perfil ideal de refeição, mas já estou aprendendo a reduzir as quantidades de forma saudável. Visto o pedaço de bolo que comi no fim de semana (que mais parecia um carpaccio de bolo, mas enfim).

3) Negar o que se quer gera novos "quereres"

De novo, não vou analisar demais a frase acima, pois pode levar a interpretações diversas e, honestamente, até nocivas. Ao invés disso, vou tentar falar primeiro sobre os "quereres" que tive que negar: querer um doce após o almoço, querer uma pizza no fim de semana, querer mais um sanduíche (mesmo sendo em pão integral e com peito de peru), querer tomar um copo de coca-cola gelada num dia quente, querer colocar nutella ou leite condensado pra deixar a salada de fruta mais saborosa. Enfim, tem outros aí, mas este são alguns.

Depois de lutar um pouco com estas vontades, eu percebi que algumas coisas mudaram - por exemplo, na refeição da hoje, eu me peguei querendo mais variedade de salada além da alface/rúcula/cenoura/tomate que ocupavam metade do prato. Outro dia também percebi que queria comer algo doce, e que este algo era uma fruta. Percebo que quero comer um pouco menos porque isso me deixa mais alerta, não sinto tanto sono após o almoço. Enfim, não vou mentir e dizer que não tenho vontade de comer um chocolate de vez em quando ou que no dia da feira eu quero comer três pastéis enquanto bebo um litro de caldo de cana. Mas agora estes quereres tem que dividir a minha atenção (e disposição) com muitos outros e, por isso, perdem a força. Ter opções devolve o poder para quem escolhe - parte desta experiência está fazendo exatamente isto, colocando mais cartas na minha mão, me deixando escolher o caminho (ou prato).

4) Não se muda o mundo sozinho. Nem a si mesmo

Claro que se você não quiser mudar seus hábitos, você não muda - não importa quão disciplinado ou quão controlado (seja por si próprio ou por outra pessoa) você seja. (A não ser que você esteja na cadeia, acho que aí você não tem escolha a não ser comer o que te servem.) Eu já tentei várias vezes fazer regime ou dietas mirabolantes, mas é difícil manter a disciplina quando se tenta fazer sozinho - basta um dia que se chega atrasado em casa (o que não é difícil, considerando o estado do transito nesta cidade) para que a sua rotina se perca, para que não dê tempo de preparar uma refeição digna e se apele para às soluções imediatas, como o Fandangos e o Miojo. No meu caso, a caixa de BIS sempre foi a culpada das minhas recaídas, como se fosse uma ex-ex-namorada que você procura quando termina um relacionamento - isso se ela viesse com deliciosas fatias de wafer e cobertura de chocolate.

O fato é que em todas as minhas tentativas (e falhas) anteriores tiveram sempre algo em comum (além do BIS): eu sempre tentei mudar sozinho. Eu tentava montar planilhas e me programar para as refeições e exercícios. Mas, como eu disse acima, disciplina exige de certa forma uma rotina quase que fixa, o que não era (e não é) a minha realidade. Se você trabalha em outra cidade, pega transito ou transporte publico e ainda tenta estudar ou fazer outras atividades no tempo que te resta, você vai concordar comigo que raramente uma semana é igual à outra. Dessa vez, eu pedi ajuda. Minha mãe e avó, para ajudar com as refeições. Minha noiva, para ajudar com o apoio diário e o "manter na linha". Pra quem sempre carregou o mundo nas costas, não foi algo fácil de se fazer, mas agradeço a Deus todos os dias por ter tido a lucidez (e humildade) de fazê-lo.

5) Ação certa (sem motivação certa) não se sustenta

Meu peso não sofreu nenhuma alteração considerável nos últimos 4-5 anos. Não que isto seja algo bom, afinal não alterar quando se está 25% acima do seu peso saudável e entrando em 'obesidade 1' definitivamente não é bom. Das outras vezes que fiz regime, a minha motivação sempre foi óbvia: perder peso. A qualquer custo, queria emagrecer. Parte pela questão da saúde (que era minha desculpa "nobre"), mas também pela questão fenótipo-estética (alto de olhos verdes - ok; gordo e careca - não tanto). Pelo imediatismo, logo que via que o peso estava demorando a desaparecer (Já estou a dois dias sem comer chocolate! Corri 10 minutos na esteira! Por que não emagreci?), desanimava e abraçava a vida de deleites.

Desta vez (por vários motivos que também não pretendo abordar), minha motivação é outra. Minha motivação é que eu não quero morrer de ataque cardíaco com 40 anos ou não ter fôlego para brincar com meu filho. Quero ter saúde pra viver muito tempo. Emagrecer é apenas uma consequência disso, tanto que não me pesei desde que comecei a dieta desta vez. Acredito que este também é um dos fatores que tem me levado a este sucesso inicial - além de ter as ações certas, a minha motivação está correta. Como dizem por aí, "meu coração está no lugar certo".

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Espero poder voltar daqui alguns meses aqui e escrever mais sobre o sucesso dessa busca por um equilíbrio saudável. Falar sobre a mudança do gosto, a educação do corpo para buscar uma alimentação correta e os resultados literais desta nova postura.
Apenas comemorando as pequenas vitórias.

segunda-feira, 16 de julho de 2012

Quatro simples sugestões para tornar nossa vida (inclusive nas redes sociais) mais tragável


1) Não se gabe por fazer algo certo

Não tenho nada contra quem gosta de usar as redes sociais para expor suas crenças, filosofias de vida e causas que defendem. As redes sociais deveriam ser uma extensão das nossas vidas reais mesmo, portanto nada mais natural que postar que você ama e defende os animais, gosta de Clarice Lispector, segue a Jesus Cristo, dentre outros. Agora, não venha se gabar porque está fazendo algo que considera correto.

Se você ajuda alguma causa e fica mostrando não para aumentar os adeptos mas para auto-promoção, você é patético. Se eu devolver o troco que recebi a mais na padaria, não fiz nada além da obrigação. O mesmo se aplica aos casos abaixo. Se você 'escolheu esperar', 'faz trabalho voluntário', 'respeita as pessoas', 'ama todas as mulheres independente do peso', você não fez nada mais que sua obrigação. Divulgar para ganhar simpatia ou "curtidas" anula toda a suposta nobreza do seu esforço.

2) Não se contente em apenas compartilhar o pensamento dos outros

Imagine conviver com uma pessoa que vive apenas citando o que os outros disseram. Nas redes sociais, é uma realidade. Se divulgar o pensamento de alguém, tente colocar em algum contexto que mostre como aquela frase é verdadeira. Mais importante que isso, tente ter alguns pensamentos próprios para compartilhar. Sei que é difícil, mas um pouquinho de esforço não faz mal pra ninguém. Os neurônios agradecem.

3) Não fique reclamando de algo que você pode resolver sozinho

Como a rede social espelha a vida real, vemos também um mar de pessoas reclamonas nas nossas timelines, murais e etc. Se alguém enche o saco, não fique reclamando ou mandando "indiretinhas", porque isso é ridículo. Você pode bloquear a pessoa, tirar ela da sua lista ou, mais importante que isso, você também pode sair da rede social. Lembrando que reclamar de quem já está reclamando, também é mimimi.

4) Separe o público do privado

Essa separação tem se tornado cada vez mais difícil de fazer. Se ao vivo as pessoas já compartilham mais do que deveriam, nas redes sociais elas tem feito isso com fotos, links, vídeos e outros acessórios que tornam tudo ainda mais tenebroso. Apesar de ser óbvio, parece que muita gente esquece que você não é obrigado a compartilhar todos os detalhes da sua vida nas redes sociais. Não precisa revelar todos os lugares que você vai, não precisa falar todos os lugares em que você come e assim por diante. Claro que isso é apenas uma sugestão, você pode fazer tudo isso. Acredito apenas que seja saudável deixar esta linha entre público e privada bem clara. Responda sinceramente - você pode afirmar com 100% de certeza de que todas os seus "amigos" do facebook devem ver as fotos do nascimento do seu filho, imagens das festas e viagens que você participa e assim por diante?

De novo, meu intuito não é dizer o que as pessoas devem fazer - já tem um monte de gente por aí fazendo isso. Apenas dar algumas sugestões para que a gente possa aproveitar as redes sociais de forma completa, sem fazer com que o trabalhador vire refém da ferramenta.

quarta-feira, 11 de julho de 2012

Respostas rápidas para relacionamentos mais rápidos ainda


Um guia abreviado sobre o que vale a pena fazer pela namorada/namorado quando se é um adolescente (ou se está em um relacionamento adolescente):

Cortar o cabelo? OK
Cortar os pulsos? Não

Tirar fotos juntos? OK
Fazer uma montagem das fotos com música brega e por no youtube depois de um mês de namoro? Não

Matar saudade? OK
Matar seus pais? Não

Dar apoio? OK
Dar seu rim? Não

Perder a hora? OK
Perder a identidade? Não

Comer jiló? OK
Comer o pão que o diabo amassou? Não

Ver UFC ou ‘Sex and the City’? OK
Ver todos que te amam se afastarem de você? Não

Ir para a festa de aniversário do priminho pentelho? OK
Ir para o inferno? Não

Roubar um beijo? OK
Roubar um banco? Não

Tentar impressionar? OK
Tentar o suicídio? Não

Bater papo? OK
Bater na cara? Não

Carregar as compras? OK
Carregar um corpo? Não

Escrever o nome da pessoa no caderno? OK
Escrever o nome da pessoa na pele? Não

Dizer que ama? OK
Dizer que é pra sempre? Não

Falar como adulto? OK
Falar como adulto, mas não assumir as consequências como adulto? Não

Quebrar as regras? OK
Quebrar as leis? Não

quarta-feira, 4 de julho de 2012

Madame Inspiração

A realidade mata a inspiração? Eu discordo.

A realidade (ou maturidade, se assim preferir) faz o que ela tem que fazer - separa os que realmente querem algo daqueles que apenas dizem querer. Separa os meninos dos homens.

A diferença é que com o passar do tempo, as prioridades mudam. As certezas começam a criar raízes, mesmo as que nos incomodam. Cada passo a ser dado é feito com o peso crescente da irreversibilidade e inevitabilidade. Se a sua inspiração era baseada na melancolia da dúvida, é provável que com o tempo haja uma desertificação na sua criatividade.

Não consigo mais escrever contos de amor pueril, porque não sou mais criança.

Não consigo mais escrever contos de melancolia profunda, porque não me sinto sozinho.

Não consigo mais escrever poesias de anseios amorosos, porque já encontrei alguém que amo.

Quando leio o que escrevia, tenho a sensação de que foi escrito por outra pessoa. A verdade é que foi outra pessoa, foi o "eu de ontem". O "eu de hoje" não sofre mais pelos mesmos motivos e, por conseguinte, também não se inspira pelos mesmos motivos. Da mesma forma, pode ser que você também não gere o impacto de antes ou tenha o alcance que tinha / julgava ter. A realidade (vida) firma os seus pés no chão a qualquer custo, mesmo que seja preciso cortar um pouco as suas asas.

Não, a vida não respeita a opinião dos seus pais e amigos.
Não, a vida não é um mar de rosas.
Não, a vida não vai mudar só porque as coisas estão erradas.
Não, a vida não aceita desculpas esfarrapadas para seus insucessos.
Não, a vida não é justa.

Não, a vida não acaba aqui.

Talvez até este momento, o texto parecia pessimista e determinista, escrito por alguém que optou por se entregar aos delírios do destino e se isentar da responsabilidade das mudanças que acontecem. Todavia, assim como a tal da vida adora ter suas reviravoltas, nos textos (pensamentos, reflexões e opiniões) há sempre margem para um "entretanto".

Como disse lá no começo, as prioridades mudam. Se temos como ajustar nossas expectativas para englobarem estas novas prioridades, creio que seja possível também mudar a raiz (ou razão, em bom radical latim) da nossa inspiração.

A realidade não mata a inspiração. Apenas te obriga a mudar de musa.

segunda-feira, 31 de outubro de 2011

Casal comum (Conto)

Era um casal comum, numa situação comum. Mas de alguma forma, no auge dos seus não tão recém-completos 23 anos, muitos ‘comuns’ lhe pareciam extraordinários. Somos humanos e, apenas por isso, buscamos algo que dê uma maior importância às nossas existências irrisórias.

Conheceram-se no colégio: ele, veterano, terceiranista e dono do mundo. Ela fora transferida de outra escolar, um ano mais nova e nova também na cidade. O que ocorreu em seguida é óbvio: como todo pré-adulto, os hormônios se encarregaram de unir da cintura pra baixo e a ignóbil mente adolescente fez o resto - pra parecer mais bonito, a boca falou que era amor e que era pra sempre.

Mas não deixe o amargor do autor impedir que houve sim, beleza naquele encontro. Ambos eram leitores assíduos (ainda que o faziam para ostentar o título de ‘intelectuais) e gostavam por demasia de escrever (o faziam razoavelmente bem, aliás) e isso dava ao relacionamento a sensação de profundidade madura.  Criava uma separação do restante dos casais adolescentes do mundo, algo totalmente especial que só eles possuíam, que só eles poderiam entender. (Diga-se de passagem, este era o mesmo pensamento que 87% dos casais de namorados pré-adultos tinham então).

Gostos parecidos nos fazem tomar decisões parecidas. Escolheram a mesma faculdade, mesmo curso, mesmo tudo. Foram pro interior e moraram juntos (mesmo que escondidos dos pais). Acreditavam mesmo que o ‘pra sempre’ era algo reservado para poucos e se sentiam cosmicamente sortudos por serem um dos poucos que haviam encontrado o verdadeiro amor (claro que quando se vive no mesmo ambiente e no mesmo caminho, é fácil dizer que tudo é amor. Não se tem pra onde ir, então se caminha juntos. Mas, e quando há uma separação de trilhas no caminho?).

Quando voltaram pra cidade grande, resolveram que iam continuar a morar juntos. Decidiram ficar noivos (os pais dela gostavam muito dele – “é um rapaz muito respeitoso e inteligente.” E os dele também – “é uma garota com o pé no chão, não que nem essas sem vergonhas por aí.”) e, no auge dos 22 anos, estavam vivendo o seu ‘pra sempre’ a cada dia.

Ela decidiu fazer mestrado, seguindo na área acadêmica e ele recebeu uma proposta ‘irrecusável’ para trabalhar em uma empresa multinacional de tradução. Fazia sentido, ele teria que sustentar uma casa e pretendia formar família (como dizia seu avô (ou era o avô dela?), “é papel do homem botar comida no prato e sapato no pé”), nada mais natural que aceitar o emprego (leia-se: “bom salário”) oferecido.
Isso foi há um ano.

Não tardou a mudar a escrita do romance. A ascensão da carreira acadêmica dela a deixou orgulhosa e prepotente (ou simplesmente trouxe à evidência o que já estava lá – não faz mal ser orgulhoso e prepotente quando se os é juntos). O status financeiro e o respeito profissional dela o tornou intransigente e egocêntrico. Logo, os “nós” que eram declarados aos borbotões, foram se tornando escassos e substituídos pelo “eu”. Os exclamações das certezas conjugais foram se reduzindo a pontos finais, depois se contorcendo em vírgulas e, logo em seguida, em interrogações. Os travessões que eram presentes nos diálogos sempre existentes no dia a dia do casal foram extintos e dava-se para resumir em um parágrafo curto o que se tinha a dizer um para o outro.  As definições dos verbetes que eram tão sólidas, eram reescritas no dia a dia.

Queriam e não queriam que tudo voltasse a ser como era antes. E a vida não aceita que andemos por dois caminhos. As escolhas foram feitas (e foi a primeira vez que houve pluralidade na escolha). Ele trabalhava até tarde, ela dormia cedo. E foram se desencontrando, apenas para fazer o cotidiano retratar a realidade que já havia em seus corações (se não fosse tão triste, seria bonito. Eram tão parecidos que até na hora de se distanciar, o faziam com uma harmonia invejável. Se é que se pode ter inveja disso.)

"Qual a real compreensão que eu posso ter do que significa ‘pra sempre’?" foi a pergunta que ela se fez quando acordou sozinha na cama de casal, naquela a manhã fria de meados de junho.
Esta pergunta foi a resposta que ela precisava. Levantou-se, tomou banho, arrumou as malas e escreveu a carta que já tinha escrito na sua mente muitas vezes nos últimos meses.

Quando ele chegou em casa, lá por volta das 15h, não a viu em lugar algum. Em cima da mesa, um envelope simples, com o nome dele na frente. Nunca acreditou em pressentimentos ou coisas do gênero, mas a convicção que ele teve de que aquele envelope seria o último, fez os pêlos da nuca se eriçarem. A resignação já havia se tornado maior que a esperança há tempos.

Reticente, pegou o envelope e o abriu. Leu a carta dela e estava escrito mais ou menos assim (faz tempo que eu li, não lembro muito bem):

“Eu te amo, mas não te amo mais.
Não mais que a mim mesmo, que minha vontade de ficar só pra saber quem sou.
Não mais que o meu espaço, meu tempo e minha solidão.
Não mais que os meus sonhos que se recusaram a se fundir com os seus.
Não mais que a vontade de ir e não perder mais o que restou.

Eu te amo, mas odeio.
A paz egoísta e a saudade incômoda que eu sinto quando você vai.
A convicção que eu tenho de que estamos certos de que estávamos errados antes.
Olhar nos teus olhos e não me ver mais.

Eu te amo, mas não mais.”

Mesmo triste por estar certo, não houve uma lágrima sequer. Ele não precisava ir até o quarto pra saber que ela tinha ido embora pra sempre (ou pelo menos, naquele dia, ele achou que entendeu um pouco mais do que isso significava). Pegou um papel novo e o mesmo envelope (colocou a aliança dele junto com a dela que já estava lá), riscou o seu nome e colocou o dela. No papel, um recado simples:

“Não existe lugar pior que o segundo lugar em um coração.
Seja feliz e um dia você encontre alguém que te faça amar sem conjunções.”

Deixou na caixa do correio da casa da mãe dela.

Ali morreu o leitor e escritor, mas ali também ele se tornou homem.

segunda-feira, 25 de julho de 2011

Na curva do rio

Já haviam se passado 8 anos desde que ela saiu pela porta carregando todas as roupas, metade do coração e deixando todas as memórias. 



Eles estavam casados há 4 anos, então. Eram o proverbial casal perfeito, faltavam apenas os filhos que, mais cedo ou mais tarde, iriam acabar surgindo. Ele queria três, ela se contentava com um casal com a menina mais velha. Acreditava que era melhor ter o caçula ao seu lado quando a filha saísse de casa em um futuro não tão longínquo quanto ela gostaria. Tinham acabado de voltar de Paris e, apesar da beleza da cidade não ser fielmente representada no comportamento do seu povo, a viagem havia beirado o inesquecível. Ao contrário dos outros casais, eles não viajavam durante o aniversário do casamento - eles sempre voltavam um dia antes. Dia 25 de julho era o dia em que se conheceram, foi o dia em que ele a beijou pela primeira vez, a pediu em namoro, alguns anos depois, a pediu em casamento e, no ano seguinte se casaram. Ele dizia ser um jeito romântico de celebrar uma data, criando memórias mais especiais. Ela dizia que ele só não queria ter que decorar muitas datas, principalmente depois de ter esquecido o aniversário dela no primeiro ano de namoro. 

As mulheres são assim. Elas não guardam as memórias de modo desconexo em uma caixa lá embaixo da cama da mente como os homens. Elas tecem as partes em uma composição meticulosa de rancor e, quando a última gota cai, ou a TPM ataca, elas tiram as partes costuradas da gaveta para jogar na nossa cara. Com sorte, vai ser algo do tamanho de um guardanapo que rapidamente passa pelo rosto e some. Porque se a obra se fez numa colcha de retalhos que é capaz de te cobrir por completo, não há mais saída. O perdão depende do quanto ela é capaz de te ver além desta costura de retalhos de dor.

Ela era do tipo durona, inflexível, sempre preto no branco. E isso dificultava em alguns aspectos do relacionamento - por não admitir estar errada, mesmo quando sabia estar, ela ia aos poucos inibindo a discussão de alguns tópicos dentro de casa. Mas isso não era motivo para preocupação, pois o casal realmente se amava. Todo ano, no dia 25 de julho, eles iam àquele cafè, à beira do rio na cidadezinha em que tiveram seu primeiro encontro, no primeiro semestre da faculdade. Ele pedia um chocolate quente grande (nunca foi fã de cafeína) e ela uma pedia um moccachino com avelã e canela, com duas colheres de açúcar. Ele gravou isso bem na memória não apenas porque achou engraçado e, pra ser sincero, um pouco afrescalhado da parte dela, mas porque aprendeu que sempre deve-se lembrar os gostos das mulheres. Elas podem mudar de opinião e de humor a cada hora, mas elas nunca alteram o gosto para um prato de comida ou as flores que preferem ganhar. Não foi diferente no ano em que voltaram de Paris, pois no dia seguinte estavam lá, à beira do rio de novo, vendo algumas fotos das viagens e tomando suas bebidas. O bom de julho é que o tempo seco praticamente garantia que não houve chuva, mas ainda assim havia um vento frio e folhas caindo e caídas que tornava essa transição entre o outono e inverno a época ideal para tomar café sentado na grama.



Ele não percebeu quando foi que o flerte inocente se tornou algo tão sério. A outra trabalhava no mesmo prédio e sempre se encontravam no elevador, no hall ou durante o almoço. Vez ou outra, também se cruzavam quando o happy hour das empresas era realizado no mesmo lugar. Não havia muitas opções nas redondezas, então os encontros eram mais frequentes. Era uma piadinha durante o happy hour, um sorriso, uma olhada mais prolongada. Na cabeça dele, não fazia por mal. Era apenas uma brincadeira, afinal, como diziam seus amigos, os homens precisam disso. Quando se deparou, estava em um quarto de um hotel qualquer, olhando para as paredes e se perguntando porque diabos estava fazendo aquilo. Sei que vai parecer clichê, mas no caso dele, foi de fato uma única vez que o ato se consumou - mas, que diferença faz? Se, porventura houver um grande juiz que irá o punir por estes erros, lhe daria duas sentenças - uma pela atitude leniente e outra pelo ato. Se tivesse parado antes de agir, isto não o livraria da condenação. 

Os homens são assim. Eles sempre baseiam (e justificam) seu comportamento, com alguma explicação meia-boca de que é algo ligado ao instinto, costume ou necessidade masculina. E, o pior de tudo, é que acreditam piamente neste código de conduta (quando lhes é propício) e encontram nos seus amigos, ou comparsas de crime, uma camaradagem que não existe apenas nas utopias entre os recantos femininos. Esta capacidade de separar corpo e coração é algo que existe (quando propício) de fato, mas por mais argumentos, exemplos e embasamentos científicos que você queira dar, isto apenas só vai fazer aumentar os retalhos que elas usam para costurar a sua colcha.

E no meio daquele outono, há oito anos, alguns dias após se desligar por completo da sua brincadeira (não tão) inocente, ele abriu o jogo com ela. Ela falou menos do que ele esperava, menos do que ele merecia. Disse que não havia retorno, que tudo estava acabado. No mesmo dia foi embora, não levou nada da casa. Alguns dias depois, os papéis do divórcio vieram por intermédio do advogado da família, um amigo de infância dele. Ele sentiu que houve malícia dela por ter enviado o amigo, mas não poderia culpá-la. Mesmo que um mal não justifica outro, o peso da culpa nos torna mais cegos do que a própria justiça. Ficou sabendo que alguns meses depois, ela se mudara para os Estados Unidos e, desde então, não teve mais notícias dela. Não se relacionou com ninguém desde então, mergulhou no trabalho, mas tinha uma vida social ativa. Saía com amigos, ia a festas e, vez ou outra, se atracava com uma moça sem nome (e muitos anos mais jovem) em uma danceteria qualquer pela cidade. Ele tinha de certa forma superado a dor, mas o lado que fere não tem feridas pra lamber, por isso não sabe quando se está curado. 



Ela finalmente fez o MBA e emendou o doutorado que almejava fazer em Harvard, tornou-se diretora e era a mais cotada para ser a vice-presidente da América Latina. Quando foi escolhida para o cargo, sabia que teria que voltar para o Brasil, mas não veio com peso no coração. Não avisou quase ninguém do seu retorno, tirando familiares e alguns poucos amigos (não em comum). Já se haviam passado pouco mais de sete anos desde que fora embora e, com o passar do tempo, não via mais em si as marcas daquilo que tinham a levado à fuga e ao refúgio. Seria mentira dizer que não pensava nele, mas não havia mais o gosto rançoso da traição quando sorvia as lembranças que iam surgindo com o passar do tempo e o passar nas ruas que tanto haviam mudado. Ficava o gosto doce dos risos compartilhados na boca e, ao engolir, o aperto no peito que era o sabor característico da saudade. A sabedoria que só vem com os anos de vida - e com as rugas no canto dos olhos - já gerava frutos em sua vida. Do pitbull, apelido "carinhoso" recebido pelo antigo chefe, que era quando saiu, havia se tornado uma águia - ainda astuta e capaz de atacar, mas capaz de enxergar o todo e o porvir. Mas o orgulho ainda a impedia de agir.



Somos formados com o conceito de que a pessoa que errou que deve fazer o maior esforço para se consertar. Não há concepção mais errada - apenas a pessoa que foi lesada que pode reiniciar a construção da ponte. O esforço de quem está ferido é muito maior, porque o culpado está ocupado causando feridas em si mesmo.

Não se sabe bem se foi a saudade que aumentou ou o cansaço de ficar remoendo naquilo que não doía mais, mas algo superou o orgulho. Ela decidiu que iria falar com ele, tentar reencontrá-lo. Não para reabrir feridas antigas, mas apenas para conversar, ver como ele estava. A letra chinesa de perdão é formada por três partes - mulher, boca e coração. O perdão só é verdadeiro quando da boca sai o que há no coração da mulher. Foi dormir pensando no que deveria falar, antecipando como seria revê-lo, o homem que um dia ela chamou de seu. O relógio despertou às 7h, como de costume. Ao olhar no relógio, ela viu que era dia 25 de julho e resolveu ir até o cafè na beira do rio. Qual lugar melhor para retomar forças para contatá-lo do que no lugar em que o viu pela primeira vez? Chegou um pouco mais tarde que costumava chegar quando estava com ele. Pediu o seu moccachino com avelã e canela, com duas colheres de açúcar. A atendente se espantou com o pedido e disse que era a primeira vez que ouvia uma outra pessoa pedir esta mesma bebida naquele dia. Mais estranho ainda porque era o mesmo daquele rapaz que aparecia todo ano nesse mesmo dia. 

Nos sete anos que antecederam este dia 25 de julho, lá estava ele no cafè, pedia sempre as duas bebidas, ainda com sua aliança no dedo. Quando perguntavam dela, ele dizia que ela viria mais tarde e depois se sentava na grama e passava o dia inteiro olhando para o rio, sem nem bebericar seu chocolate esfriado. Naquele ano, ele também estava lá. Ela o viu do outro lado da rua e, com a naturalidade que sempre lhe foi peculiar, andou com passos calmos, no entrecair das folhas secas até o lugar onde ele estava sentado, com os dois copos cheios.

- Boa tarde. Posso sentar?

Ele continou olhando para o rio e respondeu, um pouco distante:

- Desculpe-me, este lugar está ocupado. Estou aguardando minha esposa que está chegando de ...

Parou de falar quando olhou para o rosto dela. Perdeu as palavras no mesmo momento que encontrou o mesmo sorriso que viu na primeira vez que tinha se visto naquele lugar. Sorriu de volta, virou-se pra enxugar o choro iminente e apenas foi um pouco pro lado pra que ela pudesse também se sentar na toalha que ele estendeu - ela sempre reclamava de como as calças dele ficavam sujas porque ele se sentava direto no chão. Ela sentou e deitou no ombro dele, ficaram conversando como bons velhos conhecidos, como se nada houvesse acontecido. Nos anos que se seguiram estavam lá tomando café juntos, inclusive com os três filhos que preferiam levar doces e fazer um piquenique por lá.



Na verdade, era ela que precisava de uma segunda chance, ele apenas entrou de gaiato e tirou o bilhete premiado.

quarta-feira, 15 de junho de 2011

Um sorriso de dois meio-dentes

Meu filho me olhou e fez uma cara preocupada. Deve ter notado no meu semblante o cansaço dos dias e o meio sorriso que tentava forçar. Não pude suprimir uma ponta de orgulho ao ver que nisso ele puxou pro pai - nada fugia do escrutínio daqueles olhos. Como sempre prezei pela sinceridade, pus-me a falar.


Acredite em mim quando eu digo, meu filho, que só se dá valor ao silêncio no momento em que se fala demais. Melhor é enfiar o pé na boca e engolir sapos do que ficar recolhendo cacos de um relacionamento que nunca irá se recompor. O fardo da indignação é muito mais leve que o da culpa e o peso de ser injustiçado é ínfimo frente ao denso remorso. Eu falei e falo demais e me custou demais, mais do que eu poderia ter perdido, tive que aprender a segurar as palavras para os momentos propícios. Represar a verborragia que me é natural teve o mesmo efeito que as represas nos rios - um resultado mais proveitoso a um terrível custo que só é visto por quem fica do lado em que as águas, ou palavras no meu caso, se acumulam.


Porque você ainda é jovem, seus erros são tidos como aprendizado, mas você ainda vai chegar na idade em que, independente de suas qualidades e dos seus olhos verdes, as pessoas só fixarão o olhar em suas falhas e defeitos. Na idade em que se é muito grande para brincar com as crianças, mas não o bastante para se juntar aos adultos. A voz não é alta o bastante para alcançar os sábios e não é baixa o suficiente para os ouvidos mais simples. As palavras escritas não são rebuscadas o bastante para os letrados e possuem sílabas demais para os que só lêem o que lhes é imposto. Mas não se deixe prender, enquanto estiver chegando nesta fase, nas correntes da falsa modéstia e da máscara de superioridade que te faz se tornar o mais nobre dos medíocres.


Eu peço a Deus que não seja tarde demais quando você perceber que a vida é a busca por um equilíbrio quase utópico entre saber a hora de agir e a hora de esperar, entre tomar decisões e ficar em cima do muro, entre risos e choros, entre amigos e corações partidos. Que quando você estiver crescendo, vai querer ser igual e se encaixar em um grupo. Mas que depois, a sua maior vontade será a de ser, ou ao menos se sentir, especial, diferente, único. Somos todos iguais perante os homens, a lei e Deus, apesar de sermos todos singulares e, quase sempre, solitários.


Em nenhum momento, os olhos deles desgrudaram de mim enquanto falava. Ele estava com quase 8 meses e, quando me sentei na cama ao lado do berço e estendi os braços para pegá-lo no colo, ele me deu um sorriso com dois meio-dentes que começavam a despontar e não demorou a pegar no sono.