quarta-feira, 31 de março de 2010

O outro eu, Auto-valia e Perseverança


Falar de amizade é sempre complicado, afinal, amizade é uma daquelas coisas que (se) permeia (em) tudo na vida. Independente de quanto se tente, qualquer texto sempre vai ficar aquém do que realmente significa. Admito que sou um fã irremediável (ou talvez um viciado inveterado) da solidão e, por ter passado por uma experiência longe de agradável da última vez que escrevi sobre este tópico, normalmente eu evito escrever nessa direção. Entretando, considerando a atual conjuntura dos fatos e a corrente tendência de retomar certas vertentes do passado, cá estou eu abordando a tal da amizade.

(Fato não (diretamente) relacionado: Se durante a sua vida, já deu tempo de algumas coisas aparecerem, ficarem velhas, sumirem, voltarem e se tornarem vintage, quer dizer que você já não é mais tão jovem assim...)

Formei o título do texto com três termos que, ao meu ver, formam a base da amizade. Obviamente que há uma série de outros fatores que provavelmente compõe essa base, mas a minha busca por essência me impele a afunilar meu escopo ao escrever e tentar, mais uma vez, agrupar o máximo do que quero dizer em algumas (não tão) poucas palavras. Palavras estas que retrataram uma mistura um tanto quanto homogênea entre a razão e a emoção - mesmo tentando decantar, essa mistura não se desfaz tão simplesmente. 

1) O Outro Eu

A definição de amigo por si só já é o bastante para ocupar alguns textos. Procurando algumas definições simples, encontrei a de Ralph Waldo Emerson: "O amigo é a esperança do coração". A minha definição é, apesar de estar completamente ligada à definição do Sr. Emerson, algo mais elementar – Amigo é o outro eu.

Diz o velho ditado que “diga com quem tu andas que direi quem tu és”. Eu prefiro a definição de Eurípedes : “Todo homem é o reflexo da companhia que costuma manter.” Ao meu ver, amigo é aquela pessoa em que conseguimos achar parte de nós mesmos.

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2) Auto-valia

A amizade só se torna firme quando há a identificação do valor próprio. Caso não haja um mínimo de auto apreciação, dificilmente haverá amizade. Não estou falando de amor próprio – de repente, apenas admirar algum traço ou característica. Isso basta para que haja espaço de criação do elo.

Não devemos, todavia, confundir auto-valia com auto-promoção. Acredito que todos conhecemos algumas pessoas que se valem do fato de terem muitos amigos. Cito Stendhal: “Quanto mais uma pessoa agrada a todos, menos ela agrada profundamente.” Em suma, aquele que tenta agradar muitos, acaba conseguindo muitos colegas e nenhum amigo. Amizade demanda tempo e esforço, mas tentarei falar um pouco sobre isso no próximo tópico.

Antes disso, há uma outra questão importante a ser destacada sobre a amizade. A auto-valia também está ligada ao fato de admitir as qualidades superiores da outra pessoa em alguns aspectos. Veja bem, nenhuma pessoa vai ser a melhor em todas as facetas – provavelmente, isso levaria a uma arrogância exacerbada e consequentemente à impossibilidade de relacionamento. Pessoas chatas tem amigos, pessoas que se julgam melhores em tudo, ficam sozinhas. Como disse Frank Tyger, “engula o seu orgulho de vez em quando, não engorda.”

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3) Perseverança

Além de identificar uma parte sua na outra pessoa e aprender a importância do valor próprio, a amizade dificilmente se consolidará sem a perseverance. Samuel Goldwyn, um grande produtor de filmes e co-fundador da Paramount Pictures, disse uma vez: “Dê-me uns dois anos que eu faço de qualquer atriz um sucesso da noite pro dia.” Com a amizade funciona do mesmo modo – ninguém fica amigo da noite pro dia, mesmo que às vezes parece desse modo.

É necessário ter diligência e empenho em cultivar a amizade. Isso significa tentar manter contato quando o amigo some, mandar e–mails ou telefonar com uma frequência maior do que a que se faz atualmente, compartilhar interesses, esforçar-se para marcar mais encontros, abrir mão de noites de sono, se for necessário, para que se possa passar mais tempo com os amigos.

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Se a pessoa não faz parte da sua vida, logo ela deixará de fazer parte de você. Se não há na outra pessoa o “outro eu”, em breve se perde a percepção de valor e o ímpeto da perseverança. Tudo está ligado, o efeito domino funciona em qualquer direção. Entretanto, o oposto também é válido – quanto mais se esforça, mais se encontra a si mesmo do outro lado, mais se dá valor e mais se esforça. Chega ao ponto de que o dia não parece completo se não há algum tipo de notícia ou contato.

Há dois versículos da Bíblia em que há menção sobre amizade que quero destacar. O primeiro diz que deve se cultivar o amigo pois na necessidade nasce o irmão. Tem uma música do Danger Mouse & Sparklehouse que tem uma frase que diz: “Eu acordei e o meu ontem se foi.” Acho que a presença do amigo tem esse efeito – mesmo que o dia tenha sido ruim, a presença ou o contato faz com que “o ontem se vá”. O outro versículo diz que “há amigo que é mais chegado que um irmão”. Há também o ditado popular que diz que “os amigos são a família que escolhemos.”

O intuito principal desse texto é de expressar a importância da amizade e a importância que ela tem para o autor. Nas vacas gordas, muitos amigos. Nas vacas magras, poucos irmãos. Grato por saber que algumas coisas na vida não perdem o sentido.