terça-feira, 30 de novembro de 2010

Quarentena Lowtech


A proposta é ficar 40 dias (entre 01/12 e 09/01) sem acessar twitter, google (isso mesmo, google), orkut, facebook, youtube, reader, etc. A única exceção é a de verificar o email algumas vezes por dia - questão de necessidade.
Normalmente, uma vez por ano, tento viver por um período sem algo que ocupa grande espaço na minha vida - seja um tipo de alimento, um lugar ou um hábito). Além do desafio autoimposto, há também a busca por uma solução para a minha suposta falta de tempo e o resgate da necessidade de esforço para conquistar as coisas.
O que ocorre hoje é praticamente uma terceirização da nossa memória - não precisamos mais guardar informações, o google nos lembra de tudo. Números de telefone, temos os nossos celulares que age como nossa memória. E assim por diante.
Claro que não pretendo ficar distante da modernidade por muito tempo - a vida pode (e deve) se tornar mais fácil com o tempo. Mas, vez por outra, é bom relembrar de como era difícil ter acesso a certas informações.
Além disso, não acessar as redes sociais e não ter acesso aos mêmes e vídeos do momento, podem gerar uma espécie de alienação virtual e uma reconexão com a vida real. Depois do período, pretendo fazer um balanço de como foi a experiência e o que consegui aprender e atingir nesse tempo.
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segunda-feira, 29 de novembro de 2010

Escrito na pedra


Na sua lápide estava escrito: O mundo é ignorante.
 
Cansou da desobjetividade da sua existência efêmera. Decidiu deixar pra trás o ponto sem nó. Nada mais de partida, sem vinda. Nem sexo sem nexo. "Quo Fata Ferunt", declamou à egrégora de pessoas feitas de vento que compravam e o ignoravam na loja.
 
Quem muito fala, muito se expõe. Aí foi acometido pela lepra social. Cada passo pra frente era respondido com dois alheios pra trás. Ignorado pelos amigos imaginários, esquecido pelos amores platônicos, e sofrendo de inanição por se alimentar apenas de frutos da sua imaginação. A alma estava desnutrida pela falta de fé, o espírito combalido pelo combate perdido.
 
A fuga durou pouco e a insustentável situação em que vivia o impulsionou a uma busca desesperada por algum contato, o mínimo se sequer. Privado de abraços e sorrisos, definhou até que riu sozinho.
 
Na carta deixada para os familiares que foram incumbidos do enterro, apenas uma frase que foi gravada eternamente aos olhos cegos de quem não queria ver. E o mundo seguiu ignorante.
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segunda-feira, 22 de novembro de 2010

Miopia, estrabismo e desgosto


Vez ou outra, os olhos devem sair das redondezas e voltarem-se ao próprio umbigo. Conhece-te a ti mesmo, estava escrito nos pórticos do oráculo. Analise a ti mesmo, disse Paulo. Um olho no umbigo e outro no horizonte, o estrabismo necessário para anular a miopia da nossa autopercepção.
Poucas coisas frustram mais uma pessoa do que a percepção de uma realidade indesejada. Há uma frustração que é decorrente da quebra de um ideal e o surgimento de um conceito mais humano. A pessoa deixa de ser ‘perfeita’ para tornar-se ‘uma de nós’. Nunca me esqueço de uma vez que ouvi de um amigo, uma frase sendo falada com grande espanto – “até você se machuca”. Tento impor padrões mais altos – há quem diga, espartanos – para meu comportamento e atitudes. Busco sempre melhorar, ser mais equilibrado e ser irrepreensível aos meus olhos e aos olhos de quem eu me espelho.
Apesar de não conhecer até onde posso chegar (o tal do potencial a ser descoberto), há inúmeras barreiras e limites que são (auto?) impostos na atual realidade. E nesse esbarra aqui e acolá que a insatisfação e a angústia acabam emperrando as engrenagens e impedindo o agir. Há na gestão de projetos algo chamado de caminho crítico – seria como as ações que devem ser completadas para que outras possam começar. Se uma trava, o resto não anda. Para que possamos fazer mais do que fazemos hoje, precisamos também aumentar nossa capacidade de realizar e nosso potencial de crescer. A frustração maior é por querer ser mais do que se pode ser. Como disse Churchill, “não podemos esperar atingir excelência maior do que o potencial de realizar”.
E no meio de atitudes irracionais, decepções geradas e internalizadas, ansiedade pendular e a angústia que bumerangueia, fica a expectativa emperrada, confiança abalada e a ação colocada em espera.
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quinta-feira, 4 de novembro de 2010

Vita brevis, dura lex


Vita brevis, ars longa. A máxima latina, que indica que a nossa vida é breve, mas o que criamos perdura, tem se tornado uma dura sina na nossa sociedade atual. Não que tenha perdido sua valia, mas hoje exemplifica bem como tentamos derrotar a nossa temporalidade por intermédio de nossas ações, deixando um legado que ganha importância pela numerosa atuação e não pela qualidade e profundidade de cada uma delas.
 
Esta ganância por sempre ter e fazer mais pode ser traçado também até o conflito entre o ter e o ser, geralmente atribuída como epítome da discussão filosófica entre oriente e ocidente. A temporalidade da vida humana em comparação com a continuidade de sua existência está bem expressa na cultura e até no idioma. Por exemplo, em japonês, usa-se a mesma palavra pra pó e orgulho e, a escrita de humano é feita com dois ideogramas - o de pessoa e o de período de tempo. Acredito que esta percepção é algo decorrente do tempo que um povo existe e amadurece, portanto, é uma questão de tempo até que o lado de cá, os povos ainda "não-milenares", compreenda e aceite que o tempo é inexorável e que a nossa existência não se mede pela miríade de ações apenas.
 
O que ocorre hoje em dia é que há uma dificuldade inerente à geração do mundo instantâneo de reconhecer a necessidade de um processo temporal para se atingir algo. Tudo se obtem com mínimo esforço - na verdade, a luta do homem, desde que inventou a roda, as polias e outras mais, é a de conseguir obter êxito nas suas ações com o mínimo de esforço. O que acontece é que as gerações que iam conquistando estes avanços passavam para as gerações seguintes não apenas o resultado, mas todo o processo e a importância dessa mudança. Era dado o devido valor ao que se alcançava. A tal da geração Y hoje, apesar de ter recebido todos os frutos dos avanços colossais das últimas décadas, não parece ter aprendido o real valor desses avanços - os remanescentes da minha geração, por exemplo, entendem muito bem como a informática, a internet e a tecnologia tornaram nossas vidas mais fáceis - por isso também somos mais reticentes na adaptação e também no descartar e mudar. O cerne da questão é que essa facilidade e agilidade em se obter praticamente tudo, geram uma incapacidade de entender a necessidade de tempo para que os processos de maturidade sejam realmente desenvolvidos. Há uma geração doente, que não sabe se é criança ou adulta, que não sabe assumir responsabilidades ou defender suas próprias convicções, se é que possuem algumas que são realmente próprias.
 
Com a internet e o boom da comunicação, somos bombardeados a todo o momento com novos dados. Tornamo-nos 'infoholics', dependentes de recebermos quantidades massivas de informação - na maioria das vezes, inútil - para que, assim, justifiquemos a nossa existência. Abre-se o leque para que aquilo represente a sua vida. Eu não sou o que sou, sou o que sei. Esquece-se, todavia, de um detalhe crucial - informação não é sabedoria. Michel Melamed, no seu livro 'Regurgitofagia', diz que temos que literalmente vomitar toda a informação que tragamos para então comermos novamente apenas aquilo que queremos. A capacidade de filtrar está vitalmente deficitária em nossas vidas, e isso nos torna não pessoas cheias de conhecimento e sabedoria, mas sim HDs ambulantes que apenas recitam o que foi baixado em sua memória. Esta overdose de informação gera, dentre outras consequencias, o advento de um conceito distorcido de que a informação que aparece mais vezes é algo mais importante. Essencialmente ligada à questão exposta inicialmente de que a atuação numerosa é tida como mais importante que a profunda.
 
O que vemos hoje em dia é como pessoas se tornam ícones na sociedade sem ter feito nada, apenas pela quantidade de informação gerada e divulgada. Vide as pseudo-celebridades do twitter, as 'Geisis Arrudas', os ídolos pop. Uma sociedade que um dia buscava ser e pensar como Sócrates, Marx, Luis Carlos Prestes, hoje procura ser como Justin Bieber, Restart e outros. Fama é vista como sucesso - arrisco-me a dizer que na maioria dos casos, apenas a fama é vista como sucesso, mesmo sendo conceitos muito diferentes. Dentre as diversas diferenças, pode-se dizer que enquanto o bem sucedido torna-se suscetível (às influências da sociedade, às oportunidades que se apresentam, às opiniões de terceiros), o famoso torna o outro suscetível (ao seu exemplo, às suas ações e suas opiniões).
 
Entendo que pode se traçar toda esta reflexão a estes três fatos - o falso conceito de que mais é sempre melhor, a confusão entre sucesso e fama e a influência dessa distorção de conceitos no nosso convívio social. Apesar de ser um dos pivôs da expansão nazista, Joseph Goebbels disse uma frase que é relativamente correta, considerando a percepção do povo - "uma mentira muitas vezes repetida, se torna verdade." O que eu percebi é que há uma nova vertente dessa frase - "o óbvio dito muitas vezes, se torna extraordinário." O objetivo mais árduo de ser atingido é o de encontrar algo realmente extraordinário em um mundo superestimado.

segunda-feira, 25 de outubro de 2010

quarta-feira, 29 de setembro de 2010

Prezado Sr. Presidente


Prezado Sr. Presidente,

Sou brasileiro, maior de idade e, como meu direito ao voto me obriga, sou também eleitor. Não me considero um cidadão politizado, não sou afiliado a nenhum partido e não sou defensor de nenhuma vertente política.
Reconheço que durante os anos do seu governo, muitas coisas mudaram no Brasil. A situação economica no geral melhorou, o Brasil ganhou mais visibilidade e posição no cenário global. Tenho plena convicção que isto, apesar de ocorrido na sua gestão e ser parcialmente devido ao seu trabalho, não é resultado apenas das suas ações, mas é uma combinação de fatores e de ações (inclusive dos governos anteriores) que culminou nesse resultado.
Apesar de não ser o seu maior defensor, admiro sua caminhada e história de vida, bem como o seu carisma que nos rendeu, além de algumas risadas, um posicionamento relativamente bom na perspectiva diplomática. Durante seu mandato, várias alcunhas lhe foram atribuídas, como o filho do Brasil, que até gerou filme. Mas o cargo para o qual foi eleito, o de presidente da nossa nação, assim como a sua responsabilidade de governar o país, aparentemente foram conceitos redesenhados ao seu belprazer, para criar uma ilusão de populismo irreal. Minha opinião talvez não seja correta, dada a quantidade de variáveis que não consigo contemplar da posição que ocupo, mas mesmo assim resolvi expressá-la.
Governar não é mostrar as coisas boas e impedir que as ruins venham à tona. Isto se chama censura.
Governar não é usar a influência política para eleger pessoas incapazes. Isto se chama lobby.
Governar não é tirar dos ricos e dar para os pobres. Isso é tarefa do Robin Hood.
Governar não é mudar de posicionamento político para se adequar às necessidades pessoais. Isso se chama hipocrisia.
Governar não é ignorar os problemas que aparecem e, ao invés de tentar resolvê-los, ficar o tempo todo tentando jogar a culpa para a oposição ou para a gestão anterior. Isto se chama negligência.
O presidente não deve diferenciar os ricos dos pobres - ele governa por todo o povo e não uma parcela dele.
O presidente não deve defender cegamente posturas incorretas e usar argumentos falhos para tentar sustentar um atitude. Menos ainda, quando ocorrer de problemas surgirem, alegar desconhecimento da situação e colocar panos quentes até que tudo acabe caindo no esquecimento.
O presidente não deve usar de "coitadismo" para se promover publicamente. Ter origem humilde e chegar ao posto mais alto do governo é motivo de honra, mas isto perde o valor quando lá do alto começa a se atirar pedras nos "ricos" e nos "europeus de olhos azuis".
O presidente não deve se fazer de vítima e usar o povo como massa de manopla para descreditar os veículos de comunicação. Se uma acusação não procede, deve-se provar o contrário e fazer com que os acusadores assumam a responsabilidade.
O presidente não deve aceitar elogios ou receber críticas pela perspectiva pessoal. Ambos são (devem ser) direcionados ao mandato e ao governo, do mesmo modo que a resposta para os tais.
Sendo assim, Sr. Presidente, gostaria que assumisse a posição de líder que o cargo que o senhor ocupa requer e não a de um organizador de greve que vê apenas o seu próprio lado de uma disputa.

Atenciosamente,
Um cidadão brasileiro
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terça-feira, 28 de setembro de 2010

Tempo passado e fossos vazios


Das fortalezas conquistadas e das pontes reconstruídas
Memórias refeitas de uma época há muito ida
Reerguendo pós-conceitos de uma vida restaurada
De uma realidade retomada, em verdades baseada
 
Usando pleonasmos, rimando particípios
Sendo concreto com figuras de linguagem
Buscando o fim em meio aos princípios
Firmando-se no chão, entre mentes e viagens
 
Há um lugar em comum no meio da loucura
Um ponto de sanidade para os perdidos
Onde há segurança para uma breve pausa
E bom alimento para renovar as forças
 
Dos fossos vazios e dos muros que ruem
Com função tomada, perdida, sem sentido
Planos relembrados de uma época já chegada
Desfazendo preconceitos de uma vida não vivida
Focando esforços no que há valor e futuro.
 
Uma jornada sem destino, mas longe da sua origem
Fardos aliviados e laços reforçados
Carregando apenas o que traz vida.
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domingo, 12 de setembro de 2010

Mens (não tão) sana

"Loucura é fazer a mesma coisa várias vezes e esperar um resultado diferente."

Loucura é acreditar que as pessoas mudam do dia pra noite.
Loucura é dar dois murros na ponta da mesma faca.
Loucura é achar que querer, sem se esforçar, é poder.
Loucura é querer ser perfeito antes mesmo de querer ser razoável.
Loucura é esperar que a resposta virá se não houver uma pergunta.
Loucura é tentar entender quando não tentaram explicar.
Loucura é pensar no futuro sem viver o presente.
Loucura é querer estar errado só pra acertar mais uma vez.
Loucura é ter que pisar em ovos a vida toda.
Loucura é querer se encaixar sem sair da própria forma.
Loucura é querer ver sem abrir os olhos.
Loucura é andar descalço em um lugar com tantas quinas.
Loucura é crer que vista grossa resolve problemas.
Loucura é pensar controlar o sentimento da outra pessoa.
Loucura é ter a certeza que controla os próprios sentimentos.
Loucura é achar que pouco nunca será o bastante.
Loucura é tentar achar sentido no tal do amor.
Loucura é fazer o que não se quer para se ter o que não se precisa.
Loucura é combater discordância com intolerância
Loucura é querer recomeçar o que já acabou.
Loucura é ser são no manicómio
Loucura é correr na contramão.
Loucura é querer ver na escuridão.

Loucura repousa no certo e no errado ao mesmo tempo. Quando deixa um, se torna falha. Quando deixa o outro, sucesso. 
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quinta-feira, 9 de setembro de 2010

Síndrome de Palíndromo


Palíndromo é uma palavra ou frase que quando lida de trás pra frente é igual ao sentido normal. Como, por exemplo: Subi no ônibus. Ou seja, quando há um palíndromo, quando se atinge um ponto médio, usa-se novamente as mesmas letras que já foram usadas, voltando para o mesmo ponto inicial.
Apesar de parecer haver um deslocamento para novos destinos, no fim das contas acaba-se apenas retraçando os passos, novamento pelo que já foi caminhado.

Franz Kafka disse: "De um certo ponto adiante não há mais retorno. Esse é o ponto que deve ser alcançado." A síndrome de palíndromo é justamente viver o oposto da máxima de Kafka - passar o tempo todo indo até um ponto da vida em que ainda se pode retraçar os passos para voltar a origem. Na verdade, não apenas até esse ponto, mas SEMPRE voltar para o ponto inicial.

Viver uma vida sem riscos, sem tentar mudar ou buscar algo que transforme a nossa vivência. Mais do que isso, é viver uma vida limitada e difícil - para cada passo há apenas um recurso a ser utilizado. Já fui e voltei, já escrevi e apaguei. Já joguei páginas fora, já me desfiz de livros escritos. E de volta ao cabeçalho, anos depois, resta-me escrever as coisas diferentes desta vez. Anedotas que se embaralham em anagramas. Mesmas letras, nova história.

Até terminar a história com uma letra diferente da que comecei.
Ou cansar de escrever.

terça-feira, 31 de agosto de 2010

Memória seletiva

Já esqueci aniversários, mas fiz questão de ser presente.
Já esqueci compromissos, mas cumpri minhas promessas.
Já esqueci de terminar frases, mas comuniquei minhas idéias.
Já esqueci nomes e rostos, mas me lembro de regravar.
Já esqueci a toalha, mas nem por isso deixei de me banhar.
Já esqueci de ligar, mesmo me importando pra valer.
Já esqueci de enviar, mensagens que acabei por arquivar.
Já esqueci de ajoelhar, mas não deixei de orar.
Já esqueci de pagar contas e aprendi a me acertar.
Já esqueci do medo, mas ele sempre tenta recordar.
Já esqueci como se esquece, pra logo lembrar de novo.
Já esqueci do som da tua risada, mas mesmo assim sorrio.
Já esqueci do teu rosto, mas lembro das tuas histórias.
Já esqueci de me preocupar e não me arrependi.
Já esqueci de deixar pra lá o que não me faz crescer.
Já esqueci o ritmo, mas a letra sei de cor.
Já esqueci do orgulho para me lembrar de perdoar.
Já esqueci de te contar, mas quis compartilhar.
Já esqueci de olhar pros lados, mas não deixei de atravessar.

Já esqueci de tanta coisa, mais até do que consigo lembrar.
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sexta-feira, 20 de agosto de 2010

Confusão, Maniqueísmo e Gangorras

Numa época de tamanho liberalismo (que é tão banalmente confundido com liberdade), a linha de pensamento atual diz que não podemos reprovar nada. Confunde-se aceitar tudo com respeitar as diferenças. Confunde-se uniformidade com unidade.

Taxa-se de intolerantes os que defendem o certo e criticam o errado. Mas, intolerância é viver sem tentar aceitar os nossos certos e errados. Afinal, se não conseguimos enxergar e reconhecer onde temos que mudar e melhorar, estamos fadados a uma vida sem real rumo proveitoso.

Vejo sinais trocados, mensagens mal entendidas e percepções equivocadas.
Vejo conceitos invertidos, valores pervertidos e ressentimentos retidos.
Vejo que muito se confunde:

Força com independência
Compromisso com excessividade
Cuidado com carinho
Atenção com afeto
Opiniões com promessas
Respeito com formalidade
Impaciência com desinteresse
Silêncio com distância
Diversão com futilidade
Aparência com rótulos
Objetivo com propósito
Potencial com capacidade
Flexibilidade com irreverência
Segurança com rotina
Coleguismo com amizade
Concordância com cumplicidade
Postura com status
Tranquilidade com negligência
Vontade com necessidade
Admiração com dependência

Mesmo parecendo tópicos distintos, no dia a dia migramos entre eles como o subir e descer da gangorra. Mas, nesses casos, o real equilíbrio está quando colocamos o peso apenas de um lado e não no tal do meio termo.

terça-feira, 10 de agosto de 2010

Cacos de vidro, orgulho ferido

Muitas vezes, ao olhar para o passado, vemos situações das quais nos orgulhamos e também situações das quais temos certa vergonha. Não quero nem tocar no mérito de que em algumas ocasiões, quando ainda nos falta uma verdadeira noção das coisas, acabamos nos orgulhando de coisas das quais deveríamos nos envergonhar e vice-versa. Também não vou mencionar a questão de arrependimento e culpa, que muitas vezes também aparecem quando olhamos para trás. 

Mas nós olhamos, todavia. Um homem sem história é um homem sem base e, inevitavelmente, sem futuro. Para apoiar nosso presente e gerar um futuro melhor, devemos olhar para trás. Por isso apenas.

Ao tentarmos acertar as pontas e arestas, pegamos primeiramente os problemas gritantes, as falhas homéricas e os erros crassos. Do mesmo modo quando se vai limpar os cacos de vidro de um copo que fora quebrado, primeiro se recolhe os cacos maiores. Assim fazemos também para nos (re)direcionarmos em nossas vidas - analisamos os grandes "cacos" para (tentarmos) corrigir ou consertar a nossa vida. Não se trata de algo tão grandioso ou filosófico - pode-se, por exemplo, ao se passar mal por gula, olhar para os abusos feitos na festa da noite anterior e se policiar para que não coma (novamente) como se não houvesse amanhã. O fato é que o óbvio já está evidente, e partimos dessa etapa para nos acertamos. 

O problema disso é que após acertamos esses problemas, acreditamos já termos acertado as rédeas e nos voltamos para frente para tentar caminhar de novo. Quando quebramos um copo, por exemplo, andamos com cuidado para não machucarmos os nossos pés. Depois de limparmos a região, julgamos estar já livres do perigo e aí nos arriscamos a andar descalços de novo. Faço uma pergunta: o caco que entra no nosso pé nessa situação é o grande ou pequeno? 
O caco pequeno é aquele que permanece no nosso caminho quando acreditamos termos feito um bom trabalho em nossa limpeza. E assim nós fazemos na nossa vida. Acreditamos que nossa postura foi acertada por termos corrigido os grandes defeitos, mas negligenciamos os pequenos cacos e acabamos nos ferindo justamente neles. 

O caco deixado é porque não analisamos aquilo que acreditamos ter feito bem - acreditava até o momento que o caco entrou no pé que a limpeza feita tinha sido boa e todos os cacos tinham sido recolhidos.

Não adianta olhar para trás e ignorar o que acreditamos ter sido bom. Se é necessário que haja uma mudança em nossa vida e postura, não podemos ser enviesados em nossa análise. No que é bom é que se esconde os grandes problemas. Voltando ao exemplo do glutão que passou mal no dia depois da festa - ele pode parar de comer em excesso para não passar mal, mas se não tomar cuidado com o come, mesmo que em pequenas quantidades, pode acabar tendo problemas ainda piores de saúde.

O bom é inimigo do melhor. Por isso, quando olharmos para o passado para acertarmos nosso presente, temos que focar principalmente nos pontos (que achamos ser) fortes, aquilo que achamos ter feito bem.
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segunda-feira, 2 de agosto de 2010

Em um palmo de terra no chão

Cabeça pesada no pescoço sem suporte, ombros não tão largos quanto o fardo a carregar.
Braços doloridos, costas envelhecidas, pernas cedentes e lábios sedentos.
Pés cansados, pisados, apertados nos tênis surrados e enlameados.
Se os joelhos falassem, diriam estar cansados de correr sem se mover. 
No caminho da expectativa, vê-se exausto antes mesmo de se começar a andar.
As críticas não são mais veladas, e o cotidiano deixa de ser novela
A suposta defesa reparte e, por fim, parte. Parte mesmo, sem rumo nem prumo.
O ataque é escasso, o recurso já se esvaiu. Gavetas cheias de inutilidades.

Notável falta de organização. No quarto e na vida, entre quadro paredes contida.
Redução de escopo para evitar o inútil, o vão. E assim vão os dias, recentes e reticentes.
Separando os esforços repetidos nas palavras já re-ditas da recorrente esperança de não agir como criança.
O coração dói pouco, bate menos ainda. Já jaz quadrado e emparedado.
As cartas abertas na mesa não me dão resposta ou desejo de responder.
Está tudo em dia, está tudo em xeque. Súbito, subnutrido.
Dias de Lázaro, dias de Abraão. Contra a esperança e contra o fim.
A percepção invertida - o pouco que antes era destaque, hoje se torna vício e fraqueza.
O pouco que tenho que mal me basta ainda é seu. Sempre foi.

O mundo é tão pequeno quando não se pode crescer.
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domingo, 25 de julho de 2010

Mudar o rumo

Eu mudei. 

Desinencialmente, pode-se ocultar o sujeito, todavia opta-se por expô-lo, dada as circunstâncias envolvidas na declaração. Mudar é o objetivo dos que reconhecem em si a necessidade de ser diferente do que se é. Há um ditado que enuncia - querer é poder. Nesse cenário, apesar de ser correto essencialmente, a efetividade perde-se na realidade. Isso porque, geralmente, o 'eu quero mudar' denota não apenas o desejo de ser diferente mas, também a incapacidade de atingir o objetivo, seja por não saber a maneira para tal ou por não ter força para isso. Toda vez que um "eu quero mudar" é dito, a esperança surge permeada com desconfiança. Os 'SERÁs' e os 'E SEs" brotam de todo lugar, principalmente na cabeça do que declarou.

As afirmações repetitivas e cheias de dúvidas do desejo de mudança cria uma incredibilidade inabalável e, mesmo aqueles que gostam e, na medida do possível acreditam em você, desconsideram com convicção o que parece ser apenas mais uma declaração vazia de alguém que não irá mudar. Deixando o que é óbvio de lado, voltemos ao 'mudar'. Acredito que toda mudança ocorre, ou ao menos começa de fato, em silêncio. Por esse motivo, para os que querem de fato mudar, creio que o processo deve começar sem que haja declarações. No silêncio, para que não haja a criação de novas (mesmo que as mesmas) expectativas ou para que o escárnio alheio não impeça que o êxito seja atingido.  

Mesmo ficando sozinho por tanto tempo, me parece que não aprendi a entender o real valor do silêncio. Mesmo falando menos, ainda ando falando demais. Ainda expressando idéias que contradizem o que realmente acredito, levado pelo momento, destaque ou receio. Mudar assusta pois exige que se abra mão de certas coisas e, quanto mais profunda a mudança, o que é exigido se torna mais precioso. Mas, talvez seja justamente por isso que haja a necessidade de mudar. Em Provérbios está escrito que onde está o nosso coração, lá está o nosso tesouro. O coração é único, mas o tesouro pode ser substituído. 

Chega uma hora que mudar, assim como navegar, é preciso. 
Só se ouve quando não se fala.
Falar só quando a ação se concretizou.

Eu mudei. 
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terça-feira, 20 de julho de 2010

Um pouco mais de vida

Um dia, há um tempo, decidi estudar japonês sozinho. Na época, o mundo era pequeno e tudo era tão simples e fácil de se obter. Mas aí veio o mundo, vieram as preocupações e responsabilidades auto-impostas, os sonhos deram lugar à praticidade e o tempo foi consumindo tudo sem me dar tempo nem de repensar. Mas isso é parte de uma rede de justificativas vazias e que geram um pseudo-conforto que logo passa. Abrimos mão de certas coisas em detrimento de outras, mas alguns planos são abandonados sem justificativa alguma. Desânimo? Cansaço? Prioridades?

O porque de não ter perdido os quilos a mais, o porque de não ter começado a estudar chinês ou já saber falar francês, o porque de não ter viajado mais ou conhecido mais? Falta de disciplina e comprometimento. Isso eu tinha de sobra quando resolvi aprender um idioma sozinho - o tempo me era mais vasto então, e eu o usava com afinco, sem desperdício. 

Por um pouco mais de vida, por um pouco mais de sonho, retomei a disciplina e me comprometi a mim mesmo. É o único investimento que só me fará ganhar e, pra falar a verdade, o único investimento que posso fazer para que o potencial se torne realidade. A minha oração é que não quero ser apenas uma promessa. Renovo a fé, retomo a aliança com o tempo.
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quinta-feira, 15 de julho de 2010

ICQ e a efemeridade da importância


Na maioria das nossas relações interpessoais, o nosso contrato social exige apenas uma interação funcional - com seu supervisor, apenas a faceta profissional; com o gerente da sua conta no banco, apenas o seu rendimento; com colegas de faculdade, a faceta acadêmica. Não se espera mais do que isso, mesmo que em algumas ocasiões, a relação pode extrapolar os limites pré-estabelecidos. Mas, quando começamos a buscar uma interação mais completa, explorando talvez a pluralidade das facetas que expomos e compartilhamos? Pode acontecer uma confusão entre a interação com a pessoa em si (todas as facetas) ou apenas com a função que ela exerce no suposto contrato social estabelecido. Sei que analisar deste modo parece muito analítico, por isso quero tentar trazer para uma compreensão mais pessoal. Para isso, temos que responder: como consideramos ou como somos considerados por tal pessoa?

Amigo ou ombro amigo?
Confidente ou alguém de confiança?
Memória ou lembrança?
Companheiro ou companhia?

De um lado, a posição de alguém que não representa apenas um papel na vida da outra pessoa. O amigo, confidente, companheiro, o que gera memórias constantes. É o que queremos ser para as pessoas que realmente nos são importantes. Do outro lado, o ombro amigo, alguém de confiança, uma companhia ou alguém que evoca lembranças. São apenas papéis que representamos na vida de algumas pessoas - relacionamentos baseados em conveniência, ou seja, completamente superficiais e dispensáveis - mesmo que a característica em questão seja algo pessoal. Assumimos papéis na vida da outra pessoa - ora pelo momento em que se vive, ora pela personalidade que se tem. 

A frustração que pode ocorrer é a de, por exemplo, acreditarmos sermos amigos e na verdade sermos apenas ombro amigo. Geralmente isso ocorre quando o relacionamento se baseia ou inicia em um momento específico (e intenso) da pessoa - a morte de um ente querido, início de uma faculdade ou novo emprego, término de um relacionamento. Com o passar do tempo e o compartilhamento de uma experiência tão marcante, pode-se criar uma ilusão de um suposto envolvimento completo ou mais significativo. Afinal, seria muita insensibilidade não considerar importante alguém que passou por um momento tão importante com você, né? Na verdade, não. Algumas vezes, é exatamente isso que acontece - a pessoa é justamente apenas um ombro amigo, alguém que está lá nos momentos difíceis e que "some" nos momentos bons. A pessoa é apenas uma companhia no momento ruim e não um companheiro para todas as etapas da vida.

Basta ver a sua lista do ICQ, os testimonials do orkut mais antigos ou uma lista de e-mails de alguns anos atrás. Sem dúvida, você encontrará alguém que supostamente era um grande amigo (ou grande amor), alguém que era tão importante e que, se você não encontrasse a lista por acaso, nem lembraria da existência dela. Amigos que eram tão próximos e que hoje só se lembra (e olhe lá) nos aniversários. O fato é que há pessoas que consideramos mais importantes do que elas nos consideram - e o oposto também acontece. Ou seja, nossa importância é relativa e efêmera.

Eu sempre fui um "resolvedor de problemas" e por esse motivo, tive muitos relacionamentos pessoais que começaram com a premissa de um momento intenso. Conversei com muitas pessoas em momentos difíceis e pude aconselhá-las ou confortá-las. E praticamente todas elas, após resolverem seus problemas, desapareceram e seguiram com suas vidas. Não estou aqui pra reclamar disso ou dizer que "ninguém me ama, ninguém me quer". Apenas expondo um fato inegável - quanto mais nos apegamos aos nossos papéis, menos expomos a nossa totalidade. Com isso, negamos a oportunidade de criarmos relacionamentos mais significativos e aumentamos a incidência da solidão.

Não posso negar que me entristeci com algumas pessoas que acreditava ter uma interação mais completa, assim como sem dúvida já devo ter causado tristeza a alguém por descreditar a confiança dela no mesmo fato. Aprendi a aceitar mais a minha posição em algumas relações e já não fico mais (tão) abatido, mesmo que ainda perplexo, com algumas (não-)reações. Infelizmente, não se consegue ser forte e consciente todos os dias. 

Pessoa ou papel representado? Quem é você hoje?
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terça-feira, 6 de julho de 2010

(Re)escrevendo a trama e a música


Lulu Santos é um dos meus artistas favoritos. Sou uma pessoa que gosta bastante de falar, mas ouvindo algumas músicas dele, não encontro necessidade de acrescentar palavras ou comentários. 'Escrevi' o texto abaixo, mas apenas usei versos das músicas dele. Para todos os efeitos, então, pode-se dizer que reescrevi este texto.

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Eu não pedi pra nascer, eu não nasci pra perder.
O que eu ganho e o que eu perco, ninguém precisa saber.
Eu quero crer no amor numa boa.

Cruzou meu caminho e mudou a direção.
Bela como a luz da lua
Primeiro era vertigem, mas
não diz tudo que quero dizer
Me dá um beijo então, aperta a minha mão.
Ela me faz tão bem, ela me faz tão bem.
Pra dizer mais sim do que não.
Eu vejo a vida melhor no futuro.
Será miragem, será mistério

Dessa história, ninguém sabe o fim.
Vamos viver tudo que há pra viver
Dar o braço a torcer.

Se amanhã não for nada disso, caberá só a mim esquecer.
Talvez eu seja o último romântico.
Somos medo e desejo.
Pode até parecer fraqueza, mas que seja fraqueza então.
Se é loucura, melhor não tem razão.
Repleta de toda satisfação

Tolice é viver a vida sem aventura.
É melhor não resistir e se entregar.
A quase ninguém.
Se não houvesse o silêncio,
Tão lentamente, de repente
sonâmbulo, insone e insano.

Tudo que cala fala mais alto ao coração
Pra você ver que eu to voltando pra casa, mas
Tem certas coisas que eu não sei dizer.
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segunda-feira, 5 de julho de 2010

Pequenas vitórias e a frustração dos milestones


Nos últimos meses, andei rascunhando um texto sobre os marcos que temos durante a vida, quase todos como rituais de passagens para aceitação na sociedade. Estava lendo o último post do Marcel e achei uma boa idéia tentar desenvolver o tópico, usando uma abordagem mais empírica. 


Em linhas gerais, o marco principal da vida de uma pessoa é quando ela deixa de ser uma criança e se torna um adulto. Em algumas culturas, deve-se passar por um tipo de provação para mostrar que atingiu a maturidade para ser considerado um adulto. Pensando na nossa sociedade atual, a "provação" seria tirar a carta de motorista ou entrar em uma faculdade. Convenhamos que isso de forma alguma estabelece a maturidade do infante que supostamente se tornou responsável pelas suas ações. Independente da valia dos marcos, eles não deixam de existir. Passar no colégio, ser aprovado no vestibular, tirar carta de motorista, passar na faculdade, arranjar um bom emprego, casar, ter filhos. 


A verdade é que a pressão colocada sobre o menino de 14 anos que tem que ficar sobre uma pilastra por dois dias ou do outro rapaz que precisa ingerir os fluídos dos anciões da vila para que se tornem adultos é de certo modo menor do que a que é colocada sobre nós. Para estas culturas, após esse ritual, eles já estão aprovados. Agora para nós, os eternos estudantes e trabalhadores, a pressão nunca acaba. Como o Marcel indicou bem no texto dele, há sempre a espera pelo próximo passo, o próximo milestone.


O que quero destacar é que se trata de uma postura humana, independente da cultura, de se criar grandes marcos no decorrer da vida da pessoa. E tentar nortear nossa vidas com base nestes pontos jogados ao léu. O que acontece é que até se entrar no colégio, não há muito espaço para desvios no caminho traçado, porém, após esse ponto, tudo se torna variável ao extremo. Ao contrário do que acontece com culturas mais antigas, a sociedade urbana atual impede que esses marcos sejam claros e, por conseguinte, impede que as pessoas consigam passar por eles de modo natural.


Mesmo após todo esse vai-e-vem sociológico, não perdi o foco principal. Quando falei sobre abordagem empírica, quis falar sobre a minha experiência e, sem dúvida, a de diversos amigos e colegas. Salvo os poucos que realizam os seus sonhos e planos sem desvios no caminho, os outros passamos por diversas provações. Uma amiga entrou em depressão por não conseguir estabelecer qual era o próximo marco que ela deveria atingir - isso a afetou de tal modo, que a sensação de deslocamento se tornou insustentável, recorrendo para um isolamento nocivo. Alguns amigos estão passando por mudanças drásticas em relação a carreira profissional, outros, mesmo aparentemente bem sucedidos, relutam para encontrar uma motivação maior para as suas atuações. Eu ainda brigo todos os dias com a convicção que insiste em crescer de que me tornei inútil e incapaz. E tudo isso porque a pressão de atingir o próximo marco pesa sobre nossa vidas - encontrar um (bom) emprego, achar uma companheira, ter estabilidade financeira.


O fato é que se encararmos a vida como uma sucessão de grandes "linhas de chegada" é quase uma receita infalível para a frustração ininterrupta. Para que isso seja evitado, temos que nos focar no passo-a-passo, nas pequenas vitórias (ou derrotas) que temos durante a vida. Como escrevi nesse texto, são os detalhes que mudam a nossa perspectiva do todo. Percebi que não adianta encontrar um bom emprego apenas - a satisfação será apenas temporária, porque logo aparecerá a pressão pelo próximo 'grande acontecimento'. Como comentei lá no texto do Marcel, tudo que se precisa é uma viagem com os amigos, aprender algo ou ir a um lugar diferente, se esforçar para não perder o fim de semana para o desânimo. 


Admito, todavia, que ando perdendo muito mais essa luta do que vencendo, admito que a vontade de me tornar mais recluso e distante tem sobrepujado o meu anseio de dar pequenos passos em direção a um lugar desconhecido (e sem saber o quão longe estou de chegar). Mas ao menos, posso admitir para mim mesmo que sei o que posso mudar para tentar ser melhor. Pelo menos para o dia de hoje, que é o que a mim cabe.
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quarta-feira, 30 de junho de 2010

Ruas vazias, caldo-freddo e um cocker spaniel

O sol estava alto no céu e, apesar do calor, à sombra, o vento era gelado. As roupas lhe causavam um desconforto esquisito, aparentemente pelos quilos a mais. A bem da verdade, era um desconforto esquisito pois não se tratava de algo físico, era apenas uma sensação de readaptação - tivesse o dom do sentido, a água talvez se expressasse desta maneira ao mudar de recipientes. A interação havia sido boa e, mesmo convicto da inexistência de um porvir (contradizendo a promessa vazia feita há instantes), sentiu o ímpeto de abrir um sorriso largo quando fechou a porta atrás de si. 

Compreensão era algo que há muito perdera seu valor e, por assim dizer, a razão também lhe esvaía por entre os dedos. O vento e o sol expressavam com exatidão a contradição harmoniosa existente na sua alma. Com o cálido toque do astro-rei, relembrava-se da situação que aparentemente perduraria por outras jornadas. Com a gélida sensação das golfadas de vento intermitente, a calma e o refrigério que desafiavam os últimos resquícios de argumentação.

Esperava pelo troco no estacionamento, quando se aproximou cabisbaixo o cachorro de um estranho na esquina. Como quem espera aceitação, olhou para o alto e esperou, inexplicavelmente, por um afago. Decidiu aquiescer ao suposto desejo canino e, até a chegada da atendente, divertiu-se com o animal e sua  cara de chorão. Já a caminho da rua, ouviu os últimos latidos, talvez uma despedida ou, quiçá uma reclamação gerada pela ignorância da brevidade do encontro. O sol ainda brilhava forte no céu, mesmo ainda faltando algumas horas até o meio-dia. 

As ruas estavam vazias e, o caminho já feito por inúmeras vezes anteriormente, se apresentava como algo renovado. Talvez fosse apenas o asfalto recauchutado, as placas novas e os prédios recém-construídos. Talvez, e era assim que ele preferia acreditar, fosse por ver o caminho sob uma nova luz. O caminho se estendeu tanto quanto deveria e, em breve, estava de volta ao lugar de origem, mesmo não sendo o mesmo lugar.
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terça-feira, 29 de junho de 2010

Sementes, factóides e a cor verde

Sementes são pequenas, mas possuem dentro de si a capacidade de gerar coisas imensas. Pensando assim, cada atitude ou palavra que desferimos são como sementes que lançamos. No fim das contas, somos todos "semeadores" nessa vida. Podemos semear indiferença, cuidado, desdém, preocupação, dúvida ou convicção. A gente acaba esquecendo da parte importante - que essa sementes lançadas são geradas dentro de nós. E toda semente é gerada após algo que foi gerado, por isso, o coração tem que sempre ser terra fértil para se semear esperança.

Seguindo a linha dos textos anteriores, talvez devesse seguir explorando o tópico e traçar diversas analogias, chegando a uma conclusão óbvia, mesmo que não tão evidente. Apenas expondo um pouco do (bom) senso que existe em cada pessoa. Nada particular, nada pessoal, apenas analítico e generalista, por assim dizer. E é provável que eu volte a essa linha de pensamento eventualmente. Em algumas ocasiões, todavia, exibir (suposta) compreensão de nada vale - ou simplesmente explora uma experiência inócua em que o escritor (e o leitor) apenas concordam (ou discordam) em um assunto levantado e, em breve, já estão a busca de outras singularidades pluralizadas. 

Sou responsável por cuidar por aquilo que dá frutos aqui dentro. Mas antes disso, tenho que lembrar das coisas que de algum modo, mesmo sendo aparentemente insignificantes, me dão esperança. Ver a mão minúscula de um bebê, um casal de velhinhos de mãos dadas, receber uma ligação inesperada, saber que alguém em quem eu penso também pensa em mim, receber a encomenda internacional pelo correio, cheiro de livro novo, completar uma coleção e começar uma nova, comer comida da avó, recever elogios de supetão, Fran's invadindo a madrugada, rever amigos de longa data, sentir um abraço cheio de saudades, conseguir ir sentado no trem/metrô, não pegar trânsito em SP, ouvir uma música antiga e lembrar, falar com Deus, comprar um gadget novo, viajar, contar e ouvir anedotas, comer em um restaurante novo, acertar no presente dado, causar um sorriso, ouvir proparoxítonos.

Claro que há mais coisas, mas estas que eu lembrei são para deixar claro que eu não me esqueço de que a esperança (me) segue. Tem cor.
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terça-feira, 15 de junho de 2010

Olhos Fechados x Cheiro de Sabonete - A questão da namorada

Idealizar faz parte da perspectiva de um adolescente - seja as maravilhas da vida adulta ou as suas próprias capacidades. Aos poucos a realidade nos ensina que idealizar é uma manobra arriscada e, quase sempre, equivocada. Na maioria das vezes, o ideal é o arquiinimigo do real. Não que na realidade não encontremos qualidades comuns ao que fora idealizado - o problema reside em deixar que o padrão idealizado impeça de aceitar os supostos "defeitos" na realidade.

Vamos pensar na mulher 'perfeita', idealizada por um adolescente qualquer - alguém como eu, há uns anos. Ela seria uma modelo, cabelos sempre esvoaçantes e arrumados, olhos de safira e esmeralda (um olho de cada cor ia parecer um husky siberiano...), sorriso de marfim, voz de soprano, inteligente como Einstein, divertida como um humorista, sem frescura. Ter os mesmos gostos e desgostar das mesmas coisas. Em alguns momentos, eu poderia jurar que uma das características é que ela podia voar - fora que nunca haveria discordâncias e discussões entre nós. (Mais fácil ela voar do que o último ser verdade...)

Com o tempo, alguns destes quesitos perdem a valia, mas a nossa inerente condição de idealizador demora a ceder. Continuamos tentando encaixar as pessoas em nossos moldes pré-fabricados e, muitas vezes, perdemos oportunidades de conhecer e conviver com alguém por esse filtro erroneamente regulado. (Não que para um adolescente ou pré-adulto os critérios tenham valor eliminatório para o início de um envolvimento, mas eles existem e se tornam cada vez mais evidentes com o passar do tempo da relação).

Aprendi a aproveitar as coisas pequenas do relacionamento, o dia junto, a falta de necessidade de impressionar, a sinceridade e compartilhar a vida. Não importa quão perfeita a ideal seja na minha mente, ela sempre vai perder para a mulher real. Aquela que tem a altura de um abraço, peso leve como a liberdade de ir e vir, sorriso e olhar que te fazem bem. Cheiro de sabonete e  shampoo no cabelo recém-lavado, risada engraçada, voz desafinada. De vez em quando dorme de boca aberta, entrega o jogo só com a expressão do rosto, tentar entrar no teu mundo e te abre as portas para o mundo dela. Às vezes briga sem motivo, chora por motivos que só ela entende. Às vezes ela fala o que não deve e não fala o que deveria. Ela ama de verdade e consegue acreditar em você mesmo quando você mesmo não consegue. Ela fica nervosa e te deixa nervoso, vez ou outra. E, em certos dias, você vai duvidar e questionar, mas aí ela chega. E só de falar oi, parece que tudo que estava na tua cabeça era bobagem e questionamento sem sentido.

Não tem mais uma lista de requisitos a preencher - de repente, ela já preencheu a vaga toda. Não ligo mais para a tal "garota dos meus sonhos" - porque é quando estou acordado que realmente importa. Quando abro os olhos, ela está lá.
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terça-feira, 1 de junho de 2010

Inbetween mistypes


Seja por omissão ou troca de caracteres, os erros de digitação além de gerar algumas risadas, também podem gerar problemas na hora de se expressar uma mensagem. Podemos citar o caso da pessoa que ao fazer um apelo para caridade, ao tentar pedir 'colchões', esqueceu de uma letra e pediu por 'colhões'. Ou do outro que digitava em um teclado que não reconhecia acentos e ao tentar falar 'porta do céu', bom, vamos dizer apenas que o 'é' foi omitido. 

No nosso dia a dia, esses erros também permeiam (e estragam) a nossa vivência. Escolhemos a expressão errada, o momento errado. Escolhemos o silêncio quando o momento exige uma palavra, ou escolhemos a verborragia quando o ideal é manter o silêncio ou esperar o que a contraparte tem a dizer. Isso tudo fica muito evidente no início do diálogo, especialmente no início de uma interação. Se o rótulo inicial que criamos da pessoa não está diretamente ligada à aparência, - gorducho, magrela, baixinho, orelhuda, voluptuosa - provavelmente estará ligada ao modo ou ao que falamos - mudinho, tagarela, fanho, intrometido, pseudofilósofo. 

Todavia, compreensão não necessariamente depende de uma expressão literalmente correta. Tudo vai da fluência da outra parte em entender o que alguém diz - se eu escrever "boabgem", os que são sabem português vão entender o que quis dizer. Até o "cara dos colhões" que eu mencionei no começo do texto conseguiu passar sua mensagem, mesmo que gerando risadas. Quando se conhece alguém, aos poucos se torna fluente na "língua" que ela (não) diz - o Alberto fala o Albertês, a Maria fala o Marianês, e assim por diante. Sendo assim, mesmo que a pessoa cometa algum deslize na hora de se expressar, a idéia será transmitida de modo correto. Mas isso é tão raro (e trabalhoso) quanto se tornar fluente em uma língua estrangeira.

Com o passar do tempo, parece que a melhor opção para evitar os mal-entendidos é falar pouco. Ou, quase sempre, não falar nada. Seguindo a regra militar: "speak only if spoken to". Como disse o salmista, "até o idiota se passa por sábio quando fica com a boca fechada."
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domingo, 23 de maio de 2010

Poeira cósmica, Eons e Predestinação


Recentemente, li uma frase de um autor desconhecido: "Cometh the hour, cometh the man". Em uma tradução livre seria algo como "quando é chegada a hora, o homem virá". Tanto a tradução como a interpretação podem estar equivocadas, mas em suma, a idéia é de que quando uma situação se apresenta é porque de algum modo já se está pronto para enfrentá-la. 

Nunca me dei bem com a concepção de destino ou, melhor dizendo, predestinação. Ao meu ver, nós tomamos as nossas decisões e direcionamos a nossa vida - nossos atos e omissões que definem a nossa caminhada. Há quem diga, que por ser cristão, acreditar nisso seria contradizer a minha fé, afinal o Livro diz que "todos os nossos dias estão traçados perante Deus". A minha postura não isenta esta afirmação, afinal quem sabe é Deus, a mim cabe conhecer apenas o que ocorre hoje. Aos meus olhos, eu tomo as minhas decisões - inclusive a de abrir mão desse direito. (Nota mental: segue uma frase paradoxal) Mas voltando ao "destino", com base na frase mencionada no primeiro parágrafo, eu tenho que abrir um parêntese, mesmo não sabendo se irei fechá-lo.  

Sabe aquela idéia de "estar no lugar certo, na hora certa"? Não adianta nada se você não ser a "pessoa certa" - não apenas por ser a pessoa, mas também por "estar" a pessoa. Não posso negar que alguns acontecimento se encaixam e que, de certo modo, existe uma espécie de "destino". (Digo isto porque não existem coincidências.) Mas, que diferença isso realmente faz? Na afirmação inicial, não cabe a mim focar no "quando é chegada a hora" pois, de modo algum, eu tenho como agir nessa parte - eu sou responsável pelo "o homem virá". 

Aliás, essa questão de agir em prol do bem maior ou essa concepção de que somos especiais são pontos sobreestimados. Somos apenas pó, grãos de areia, insignificantes e microscópicos em relação a dimensão de toda a criação/evolução. Vida, morte, amor, sofrimento, paz, guerra - tudo sobreestimado. Dá-se valor a tudo isso para que a nossa própria existência seja valorizada. Não se trata de uma percepção niilista da vida, acredito ser algo mais simplista, a bem da verdade. Preocupação com controle de natalidade, proteção ambiental, qualidade de vida, camada de ozônio quando por eons a Terra tem subsistido e se renovado? Não tenho nada contra as atitudes em prol da preservação do mundo, não me isento da minha responsabilidade ao separar o lixo para reciclar ou tentar viver uma vida mais "verde" - apenas acho que se exagera na real abrangência e efetividade dessas ações. O homem perde tanto tempo tentando mudar o mundo, consertar os erros e tudo o mais - por uma mera existência individual de menos de uns 80 anos, talvez estendida por intermédio de lembranças ou um legado que perdurará por talvez mais alguns séculos ou uns milênios? 

Dito isto, o que fazer? Bom, sei que não vou me preocupar com o que não posso mudar e não vou me deixar levar pela ilusão de controle. A mim, cabe a minha vida (assim como a cada um) e para cada dia, cabe o seu devido mal. Ao homem o que é do homem e a Deus o que é de Deus. 

"Quando a solução é simples, Deus está respondendo." - Albert Einstein
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segunda-feira, 17 de maio de 2010

A ordem dos fatores


Insônia significa ausência de sono. Mas nem sempre ausência de sono significa insônia - o sono pode se perder por diversos motivos, mesmo que apenas um motivo é necessário para recuperá-lo.

Alegria é a ausência da tristeza. Mas nem sempre a ausência da tristeza significa alegria - apesar de que a experiência revela o caráter dominante da tristeza que se mostra quase sempre presente na falta da tal da alegria e/ou motivo gerador. 

Para que alguém ouça, alguém tem que ter falado. Mas o fato de falar, não necessáriamente significa que alguém irá ouvir - a bem da verdade, boa parte de nossas palavras acabam se perdendo no silêncio, inclusive para nós mesmos.

Quando não se tem ninguém por perto, se está sozinho. Mas nem sempre só porque não tem ninguém por perto, se está só - na real, a pior solidão é aquela que aparece quando se está cercado de pessoas. Não se sabe como se resolve.

A atitude do covarde é sempre fugir. Mas nem sempre a fuga é atitude de um covarde - o que define isto é o que é feito após a fuga, tentar melhorar e voltar ou simplesmente ficar fugindo.

Morrer significa não ter vida. Mas não estar morto não significa necessariamente estar vivo - há um grande abismo entre viver e existir. 

E, se à beira desse abismo há hesitação, ainda existe algo em que se pode agarrar - às vezes, ao contrário do que sempre nos ensinam, se deve olhar pra trás. 


Quando o oposto faz sentido, é melhor meter os pés pelas mãos.
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domingo, 9 de maio de 2010

Mãe

Mãe é o exemplo claro de que amor é cego - o filho é bonito, sempre o mais bonito.
Mãe é a última a desistir e a primeira a confiar.
Mãe também exagera - se não atendeu o telefone é porque foi preso ou sofreu acidente.
Mãe quase nunca erra em seus conselhos - testificam por mim os vários dias que tomei chuva porque não dei ouvidos.
Mãe não muda a percepção - mesmo com seus trinta e tantos, ainda é o filhinho.
Mãe tem percepção mágica - ela sempre sabia quando eu tinha derrubado coisas na cozinha, mesmo quando eu limpava tão direitinho.
Mãe tem percepção mágica (2) - tentar esconder alguma coisa é inútil (como sair escondido com os amigos).
Mãe dá bronca, pega no pé, dá uns cascudos e põe de castigo. Mas ainda dá risada quando a gente faz palhaçada.
Mãe sabe muito bem quando o choro é sincero. Ou se é apenas pra fugir da bronca (o que geralmente rendia mais algumas palmadas).
Mãe sacrifica, abre mão da vida e dos sonhos para que o filho possa viver e sonhar.
Mãe diz que filho é um presente de Deus, mas presente mesmo é o amor da mãe, que é o que mais se aproxima do amor de Deus.
Mãe tem seus momentos neuróticos, seus momentos difíceis e seus momentos de tristeza, mas não renega a responsabilidade que assumiu.
Mãe faz de tudo, mas sempre acha que ainda tem que fazer mais.

A minha conclusão é que faltam palavras para expressar o que 'mãe' realmente significa.
A minha convicção é que a minha dívida não poderá nunca ser quitada, mas isso não vai me impedir de tentar.
O meu agradecimento é por ser tudo isso e me ensinar a ser mais do que sou.
O meu presente é a promessa de fazer tudo para ser um filho que valha a pena.

E, claro, isso também vale para as avós que, por definição, são (mãe)².
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domingo, 2 de maio de 2010

Linhas indeléveis, Compreensão cristalina


Dentre as diversas características da nossa sociedade, pode-se destacar o fato de que a cada dia os limites estão sendo superados, destruídos, desrespeitados ou ignorados. Enquanto em alguns aspectos esta tendência se mostra positiva, como no caso da ciência, tecnologia e relações internacionais, nos que se referem ao relacionamento humano e valores sociais, a inexistência (ou ineficiência) dos limites se mostra em grande maioria das vezes como nociva.

Os traços limítrofes não são responsáveis apenas por limitar as ações das pessoas, mas servem também como guia para que as atitudes e comportamentos sejam devidamente designados e compreendidos. O que ocorre é que com eliminação ou aversão aos limites, ocorre uma inversão e, consequentemente, uma perversão de valores. As atitudes são interpretadas de modo equivocado - a tolerância e o respeito são estampados nos estandartes dos auto-intitulados liberais, mas as suas ações estampam uma incapacidade de ser coerente com os valores apregoados, além de se colocarem na posição de eternas vítimas. 

Não estou aqui para defender uma estrutura social arcaica (ou antiga), nem mesmo para falar do sentimento derrotista decorrente da falta de perspectiva dessa sociedade. Até porque, em termos gerais, as sociedades são as mesmas desde sempre, os valores podem parecer diferenciados, mas proporcionalmente, tudo é o mesmo. (Assunto para um próximo texto, talvez.)  O meu (presente) manifesto é em prol do verdadeiro respeito e, acima de tudo, da compreensão. Acredito que para tal, algumas linhas devem ser traçadas e respeitadas. 

Das diversas confusões existentes, destaquei duas que tem se mostrado mais frequentemente na (minha) atual conjuntura: Naturalidade e Indiferença; Aceitação e Conformismo. Deixo claro de antemão que há espaço para cada uma das quatro posturas expostas abaixo, mas que assim como não devem ser confundidas, devem ser aplicadas em momento oportuno para tal. 

Naturalidade x Indiferença

Encarar algo sem estardalhaço ou se deparar com problemas sem que haja reações exageradas. A reação inicial tanto para a naturalidade como para a indiferença são bem parecidas. O que difere as duas é a origem desta reação inicial e as atitudes subsequentes. Enquanto a naturalidade é originada na maturidade atingida pela vivência ou compreensão de um assunto, a indiferença é originada na falta de comprometimento e na perspectiva egoísta da pessoa. 

Mesmo com a motivação aparentemente negativa, não estou dizendo que a indiferença não deve existir, aliás, muito pelo contrário. Há diversas situações em que devemos mesmo não nos comprometer e/ou agir de modo egoísta. O que estou tentando dizer é que as duas posturas não devem ser confundidas. 

Sobre a atitude subsequente, enquanto a indiferença acaba por se direcionar ao escárnio ou críticas excessivas, a naturalidade tende a reagir de modo centrado e visando atingir um cenário melhor, mesmo que a reação seja não fazer nada. Naturalidade é a versão adulta e engajada da indiferença, mas nem sempre é a melhor postura ou a mais correta. Neste dilema, tudo acaba sendo ad hoc. Cada curva do labirinto da caminhada pode exigir uma mudança - mas a ressalva, mesmo que não escrita em pedra, é que o age com naturalidade, sabe agir com indiferença. Já o indiferente age com indiferença até com a naturalidade.  

Aceitação x Conformismo

O último 'estágio da morte', segundo Elisabeth Kubler-Ross é a Aceitação. Por geralmente estar associado ao fim ou conclusão, geralmente este termo é compreendido também como conformismo. A falta de comprometimento das pessoas, decorrente também dos valores sociais se fiarem em uma base primordialmente egoísta, é um dos principais motivos para que haja essa confusão.

Reconhecer as suas reais condições e fazer o que esta ao alcance não é conformismo, é aceitação. Tem uma frase da Madre Teresa que retrata bem isso: "Se você não consegue alimentar 100 pessoas, alimente apenas uma." Conformismo seria entender que não se pode alimentar 100 pessoas e resolver não fazer nada. O mesmo acontece com as pessoas que possuem algum tipo de deficiência. Conformismo seria se isolar do mundo e, por causa da incapacidade de fazer algumas coisas, se ver como alguém "pior" que os outros. Aceitação é reconhecer que a deficiência existe, mas entender que a vida prossegue e vivê-la normalmente, mesmo que com algumas adaptações,   

Aceitar é a versão positiva e correta do conformismo. São atitudes parecidas mas com motivações antagônicas e, como dito anteriormente, há espaço para ambas posturas. A ressalva é que caso haja conformismo, que seja temporário. Já a aceitação, deve ser uma atitude perene.
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segunda-feira, 19 de abril de 2010

Small talk, hopeless believer and silent soul


This dialogue was running for so long that time already had lost its meaning, the never ending flow of counter arguments were no longer defying my capacity of understanding my own reality. However, somewhere beneath all that rhetorical pomp and glare, I realized that we were finally getting to the finalement this time around.

"
Then she said that as long as I don't give up on myself, hope is a simple detail. 
She just forgot to mention that the devil is in the detail. 

Better is to give in to hopelessness, if that means to be free indeed. Smart devil, they say - abiding with the latter resource to undermine whatever chances of a comeback. Poor devil, I say - not able to realize that even when the hope withers away, faith still kicks in. Just reminded me that the one who is known as 'father of faith' was also the one known for 'hopelessly believing".

So I answered that hope is basically the result of our choices. Choosing truth over illusion, belief over disregard. 
And also said that my living grasp would never again be entangled among the frivolity, pragmatic thinking and, on top of that, the entrustment to a sense of fake comfort behind a desk, a label or a tag. 

Our fight should never be to defend hope, and more importantly, should never stop if (or when) hope abandons us to apparent nothingness. Because that's the exact point in which we are truly fighting, based on reality. It all comes down to faith.
Faith over hope, faith over sight. Faith over doubt.
"

Along with my muted (and concluded) protest, my soul finally agreed with me (or was I that agreed with her?) and went silent.
And there was peace again, peace I haven't seen or heard of in a long time. 
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quinta-feira, 15 de abril de 2010

Dígitos e Foco, Tiger Woods e Timing


Trata-se de um assunto recorrente. Com o empilhar dos anos e das escolhas feitas, somos destituídos da variedade de opções. Normalmente, me contento em apenas ter a memória. Mas em alguns dias, sinto saudades, até um pouco de falta, de quando os telefones tinham sete dígitos, os CEPs tinham cinco e minha idade tinha apenas um. Mas o intuito desse texto não é entrar em uma viagem nostálgica ou afogar-me no saudosismo de um tempo passado. Perder-se, mesmo que em palavras ou lembranças, é o bastante para se tirar o foco - e isto é algo que eu não posso me dar ao luxo de fazer.

Em um dos meus últimos textos, eu escrevi um pouco sobre essência. Consideremos que essência é aquilo que somos, independente do que nos cerca. O que quero tentar dizer é que há alguns costumes ou atitudes que temos que são reflexos de quem somos e não apenas a reação em relação a algo apresentado. E sobre essas reações, até que ponto ela realmente reflete o que somos e não apenas tudo aquilo que foi agregado pela sociedade e pela criação? Não acredito ser possível separar essência pessoal de valores adquiridos - as mudanças de atitudes ou valores só ocorrem quando no decorrer da vida, o indivíduo se depara com alguma coisa que se identifique diretamente com a essência, sobrepujando os valores impostos. Mas acho que essa discussão também não é o foco principal desse texto.

Por diversas ocasiões, temos que agir em nossas vidas com base na tentativa e erro. Considerando que podemos nos deparar com situações em que o caminho/procedimento certo não está claro, (praticamente todas as situações depois dos 18 anos) há a necessidade de eliminarmos as alternativas antes de escolhermos o rumo. Há momentos em que esse processo demora e todas as incertezas devem ser desfeitas para assinalar a alternativa correta. Em outras, a escolha certa é a primeira - como quando pegamos aquele molho de chave imenso e acertamos a chave correta de primeira. Improvável, mas possível. Traçando uma breve analogia (pra variar), vamos comparar esse processo de atingir objetivos com 3 esportes: golfe, bocha e basquete. 

No basquete, para se chegar ao objetivo (cesta), há apenas um modo - o arremesso. E o arremesso não tem pontos intermediários - é da mão do atleta para a cesta. Algumas das nossas tentativas de sucesso devem ser assim, sem obstáculos, dependendo apenas de você. Este é o cenário mais fácil (e mais raro) - apesar de todo o ambiente e dificuldade, quem determina o sucesso é simplesmtente o esforço próprio. 

No caso da bocha, o objetivo se fragmenta em fazer a sua estratégia (defesa) e atacar o seu oponente. Todos os arremessos são importantes - um arremesso errado pode comprometer toda a partida, impedindo que o objetivo seja alcançado. Em alguns casos, o jogador pode estar ganhando e acabar perdendo no último arremesso por um erro de planejamento. Este é o cenário mais comum no dia a dia - em tudo nos deparamos com competição, seja pra conseguir destaque no emprego ou para ganhar a atenção da garota nova. Não basta saber da sua capacidade, há a necessidade de saber lidar com a situação que se desenvolve e também ser capaz de defender as suas jogadas.

No golfe, o objetivo é algo distante e difícil. Para atingí-lo, em quase sempre há a necessidade de múltiplas tacadas - sendo que o sucesso final depende dos avanços iniciais, mesmo quando o objetivo ainda não está no campo de visão. Em alguns casos, a primeira tacada não vai nem na direção do buraco, mas é assim que deve ser para que o objetivo seja alcançado com sucesso. Como nesse texto, que nos dois primeiros parágrafos (tacadas), eu apenas me aproximei do cerne - para enfim, vendo a conclusão (buraco), eu desse a tacada final. Apesar de as primeiras tacadas não estarem no rumo certo, elas são essenciais para o preparo da conclusão. Nosso passado (primeiro parágrafo), nossa essência e o que encontramos no caminho (segundo parágrafo) são os elementos essenciais para se aprender a jogar direito. O menino de 10 anos que quer ser médico, precisa completar o ensino fundamental e ensino médio. Precisa também de um curso de idioma. Prestar vestibular, entrar na faculdade, se formar, fazer residência... enfim. Este é o cenário mais pessoal - todos temos objetivos (não tão) distantes que exigem pequenos avanços e mudanças de curso até chegarmos lá. 

Nos três cenários, há uma questão importantíssima - o timing. É essencial saber a hora certa de se mover, de falar e de se posicionar. Mas que fique claro: Há uma grande diferença entre 'não fazer nada' e 'esperar'.
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quinta-feira, 8 de abril de 2010

Relevar o mistério

Só nos decepcionamos com alguém, quando não o conhecemos de fato.

Acredito que não haja surpresas em um relacionamento verdadeiro - seja amizade, amoroso ou profissional.  Quando se há a expressão verdadeira sobre a perspectiva sobre os assuntos compartilhados, não há o desconforto do inesperado. Antes que as pedras comecem a voar, apenas para esclarecer, não ter surpresas não quer dizer que a pessoa não possa fazer algo supreendente. Dar um presente, fazer uma visita, preparar uma festa, fazer uma ligação no meio do dia, mandar telemensagem, contratar mariachis nus para cantar no dia do aniversário no ambiente de trabalho, aparecer em um trio elétrico e cantar músicas do Wando. Estas são todas ações que causam surpresa no momento, mas, mesmo trazendo alegria ou profundo constrangimento, em nenhum momento esse tipo de ação traz uma confusão (ou a sensação "que diabos?!") Falta de surpresa de modo algum significa falta de emoção.

O que quero dizer é que as atitudes e as reações da pessoa com a qual nos relacionamos não nos surpreendem pois simplesmente a conhecemos. Ou seja, se há supresa, não conhecemos. E se não conhecemos, não há relacionamento.

Há aqueles que defendem o mistério, dizendo que nele reside o algo "a mais" na relação. Acredito não haver maior contradição do que esta. A relação justamente existe por haver confiança e intimidade - para isso, há a necessidade da ausência de incógnitas. Quero me cercar de pessoas com quem posso contar sempre - não de pessoas que sempre terão um mistério a ser desvendado. Já se passou o tempo de ter paciência de ficar resolvendo charadas ou participando de joguinhos - a adolescência e o baile de máscaras já acabaram. Claro que as pessoas possuem características que, dependendo da relação existente, nunca são evidenciadas. Não se sabe como o chefe se relaciona com um amigo ou alguém da família (saber no sentido de possuir tal característica no seu relacionamento). Ou também como um amigo se relaciona com a família ou com a namorada. Mas dentro da relação e nas características compartilhadas, deve-se haver uma constância - mesmo que a constância seja saber que a pessoa é volúvel.

Nos últimos tempos, andei lendo e ouvindo algumas coisas que me surpreenderam, de certo modo - não pelo conteúdo das palavras, mas pela motivação por trás delas. Talvez a decepção decorrente disso tudo não seja com outrem, mas sim comigo por tentar defender (mentir?) pra mim mesmo, a existência (ou consistência) de algo que realmente não existe tal qual idealizado. Claro que há também as nossas próprias motivações - difícil admitir pra si mesmo que se conserva recipientes vazios nas estantes, enquanto se acredita no valor dos conteúdos e não dos rótulos.

Revisando, então, a frase inicial: Só nos decepcionamos com alguém, porque nos decepcionamos conosco primeiro.

Enquanto boa parte das pessoas gostam de revelar o mistério, eu prefiro a opção disléxica e sou adepto do relevar o mistério. Cultivando os relacionamento e todas as peculiaridades da contraparte (mesmo aquelas com as quais discordo ou não diretamente admiro), sem surpresas. Mas sempre com intensidade, valor, com vida, cor e riso.

quarta-feira, 31 de março de 2010

O outro eu, Auto-valia e Perseverança


Falar de amizade é sempre complicado, afinal, amizade é uma daquelas coisas que (se) permeia (em) tudo na vida. Independente de quanto se tente, qualquer texto sempre vai ficar aquém do que realmente significa. Admito que sou um fã irremediável (ou talvez um viciado inveterado) da solidão e, por ter passado por uma experiência longe de agradável da última vez que escrevi sobre este tópico, normalmente eu evito escrever nessa direção. Entretando, considerando a atual conjuntura dos fatos e a corrente tendência de retomar certas vertentes do passado, cá estou eu abordando a tal da amizade.

(Fato não (diretamente) relacionado: Se durante a sua vida, já deu tempo de algumas coisas aparecerem, ficarem velhas, sumirem, voltarem e se tornarem vintage, quer dizer que você já não é mais tão jovem assim...)

Formei o título do texto com três termos que, ao meu ver, formam a base da amizade. Obviamente que há uma série de outros fatores que provavelmente compõe essa base, mas a minha busca por essência me impele a afunilar meu escopo ao escrever e tentar, mais uma vez, agrupar o máximo do que quero dizer em algumas (não tão) poucas palavras. Palavras estas que retrataram uma mistura um tanto quanto homogênea entre a razão e a emoção - mesmo tentando decantar, essa mistura não se desfaz tão simplesmente. 

1) O Outro Eu

A definição de amigo por si só já é o bastante para ocupar alguns textos. Procurando algumas definições simples, encontrei a de Ralph Waldo Emerson: "O amigo é a esperança do coração". A minha definição é, apesar de estar completamente ligada à definição do Sr. Emerson, algo mais elementar – Amigo é o outro eu.

Diz o velho ditado que “diga com quem tu andas que direi quem tu és”. Eu prefiro a definição de Eurípedes : “Todo homem é o reflexo da companhia que costuma manter.” Ao meu ver, amigo é aquela pessoa em que conseguimos achar parte de nós mesmos.

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2) Auto-valia

A amizade só se torna firme quando há a identificação do valor próprio. Caso não haja um mínimo de auto apreciação, dificilmente haverá amizade. Não estou falando de amor próprio – de repente, apenas admirar algum traço ou característica. Isso basta para que haja espaço de criação do elo.

Não devemos, todavia, confundir auto-valia com auto-promoção. Acredito que todos conhecemos algumas pessoas que se valem do fato de terem muitos amigos. Cito Stendhal: “Quanto mais uma pessoa agrada a todos, menos ela agrada profundamente.” Em suma, aquele que tenta agradar muitos, acaba conseguindo muitos colegas e nenhum amigo. Amizade demanda tempo e esforço, mas tentarei falar um pouco sobre isso no próximo tópico.

Antes disso, há uma outra questão importante a ser destacada sobre a amizade. A auto-valia também está ligada ao fato de admitir as qualidades superiores da outra pessoa em alguns aspectos. Veja bem, nenhuma pessoa vai ser a melhor em todas as facetas – provavelmente, isso levaria a uma arrogância exacerbada e consequentemente à impossibilidade de relacionamento. Pessoas chatas tem amigos, pessoas que se julgam melhores em tudo, ficam sozinhas. Como disse Frank Tyger, “engula o seu orgulho de vez em quando, não engorda.”

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3) Perseverança

Além de identificar uma parte sua na outra pessoa e aprender a importância do valor próprio, a amizade dificilmente se consolidará sem a perseverance. Samuel Goldwyn, um grande produtor de filmes e co-fundador da Paramount Pictures, disse uma vez: “Dê-me uns dois anos que eu faço de qualquer atriz um sucesso da noite pro dia.” Com a amizade funciona do mesmo modo – ninguém fica amigo da noite pro dia, mesmo que às vezes parece desse modo.

É necessário ter diligência e empenho em cultivar a amizade. Isso significa tentar manter contato quando o amigo some, mandar e–mails ou telefonar com uma frequência maior do que a que se faz atualmente, compartilhar interesses, esforçar-se para marcar mais encontros, abrir mão de noites de sono, se for necessário, para que se possa passar mais tempo com os amigos.

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Se a pessoa não faz parte da sua vida, logo ela deixará de fazer parte de você. Se não há na outra pessoa o “outro eu”, em breve se perde a percepção de valor e o ímpeto da perseverança. Tudo está ligado, o efeito domino funciona em qualquer direção. Entretanto, o oposto também é válido – quanto mais se esforça, mais se encontra a si mesmo do outro lado, mais se dá valor e mais se esforça. Chega ao ponto de que o dia não parece completo se não há algum tipo de notícia ou contato.

Há dois versículos da Bíblia em que há menção sobre amizade que quero destacar. O primeiro diz que deve se cultivar o amigo pois na necessidade nasce o irmão. Tem uma música do Danger Mouse & Sparklehouse que tem uma frase que diz: “Eu acordei e o meu ontem se foi.” Acho que a presença do amigo tem esse efeito – mesmo que o dia tenha sido ruim, a presença ou o contato faz com que “o ontem se vá”. O outro versículo diz que “há amigo que é mais chegado que um irmão”. Há também o ditado popular que diz que “os amigos são a família que escolhemos.”

O intuito principal desse texto é de expressar a importância da amizade e a importância que ela tem para o autor. Nas vacas gordas, muitos amigos. Nas vacas magras, poucos irmãos. Grato por saber que algumas coisas na vida não perdem o sentido.

segunda-feira, 1 de fevereiro de 2010

Essência e Espelho, Real e Percebido

No último texto, foi discutido um pouco sobre os conceitos que validam a percepção de valor que o mundo (ou a sociedade) tem sobre cada pessoa ou, numa definição mais ampla, o valor percebido de cada função. Apesar de buscar a compreensão desses conceitos e a tentativa de adaptação para subsistir sob tal domínio, não há como deixar de lado o fato preponderante nesse debate - o fato de que esses conceitos tornam doente a vivência social e aos poucos minam a capacidade de destacar a identidade única que cada pessoa tem e o real valor que isso tem, não apenas para o mundo, mas em uma escala mais elementar, para si mesmo.

Quando escrevo, tento sempre fugir da tônica pessoal, procurando mostrar a perspectiva de um observador. Medida adotada para evitar poluir a mensagem a ser passada ou impedir uma maior identificação do leitor com o texto. Mas, para não me perder na densidade das palavras que se mescla com a minha incapacidade de melhor expressar a mensagem quero passar, usarei uma espécie de relato pessoal entrelaçados com máximas de conhecimento comum. Creio que deste modo eu consiga atingir meu objetivo, apesar das dúvidas em relação a integridade do cumprimento da missão.

A discussão sobre o valor percebido pelo mundo/sociedade me trouxe à minha atual condição que, de alguma forma, é também a condição de alguns dos meus amigos. E a questão com a qual me deparei é: Até que ponto a nossa percepção de nós mesmos é ferida quando não nos encaixamos nos valores impostos na esfera maior?  Em outras palavras, até que ponto nosso valor real é diminuído quando nosso valor percebido é reduzido? E foi essa questão que me levou a uma tentativa de análise por outro prisma, com o enfoque naquilo que se perde, ou se esconde, em cada pessoa antes que sejam ditas as palavras e executadas as atividades a cada um atribuídas.
 
Para todos os efeitos, eu era um cara valorizado na perspectiva da esfera maior. Formado e pós-graduado, trabalhando e ganhando um bom salário, carro na garagem. Enfim, desfrutava das supostas regalias que o status aparente me trazia. Até o meio do ano passado, quando decidi pedir demissão. O motivo era que eu não me sentia realizado no emprego e que isso estava transbordando para outras áreas da vida, como se isso não fosse óbvio. Passado o período de euforia após a decisão "tresloucada", a angústia começou a bater. Não porque a situação começou a complicar - o planejamento foi bem cuidadoso para o tiro não sair pela culatra. A angústia originou-se do fato de que pedir demissão não aplacou o mal que me acometia. Em suma, eu acabei agindo sobre um efeito e não sobre a causa. Além disso, a percepção do mundo mudou muito a meu respeito - deixando de ser exemplo para virar estatística. E isso me fez ficar chateado algumas vezes ou até envergonhado. Senti que havia sido abalado, temi ter tomado a decisão errada e, depois de tantas negativas dos processos que me engajei, comecei a questionar a minha capacidade e o meu valor.

Resolvi então pisar no freio e aproveitar o tempo livre para buscar o que eu gostava a meu respeito e que havia perdido nos últimos anos. Retomei alguns hobbies, a minha fé, alguns amigos e, principalmente, alguns hábitos. Percebi que o que foi retomado não se tratavam de caprichos juvenis que foram abandonados pela "maturidade dos anos", mas sim partes elementares que me compõe como ser. O que me fazia mal na minha vida não era o emprego ou o receio de ter tomado as decisões erradas - era o fato de que eu estava abrindo mão do que eu era na verdade para me apoiar e abraçar o que eu representava na esfera maior. Causa identificada e o alívio proveniente disso não é algo temporário como a morfina. Alívio de cura. O que estava sendo asfixiado alguns chamam de criança interior, eu prefiro chamar de essência.

Veja bem, não quero aqui fazer apologia a qualquer corrente de pensamento que diz que o trabalho não deveria existir, que o importante é ser feliz mesmo que se afogando em dívidas ou nada de pensamento age-of-aquarius-new-age-hippie-ish. Reitero o que foi escrito no texto anterior, temos que aprender a viver na sociedade como ela se apresenta se há o desejo de mudá-la ou melhorá-la. Percebi que o problema reside justamente quando a essência acaba tendo que se tornar a tal da "criança interior". A nossa essência é algo que é bem latente quando somos mais novos - sempre idealizando, viajando, sonhando. Na cabeça dos pequenos, não há limites, todos podem ser astronautas, jogadores de futebol, médicos, mágicos e até super-heróis. Mas aí chega a idade adulta e preferimos abrir mão dessa essência para abraçar o prático. E isso não tem nada a ver com escolha de carreira profissional - mesmo perseguindo os sonhos, uma hora nos deparamos com a necessidade de mudar as prioridades. Forma-se uma camada doente, pessoas inócuas que não respondem mais ao que realmente são, mas apenas à esfera maior.

Numa tradução livre de Lucas 18:17, está escrito "quem não tiver um coração como de criança, não poderá desfrutar o melhor que foi preparado pra nós". Ou seja, aquele que abre mão da sua essência está fadado a viver uma vida medíocre (mesmo que aos olhos do mundo pareça ser um grande sucesso). O que acontece é que ao invés de amadurecermos também a nossa essência, nós a apelidamos de criança, os planos viram sonhos, as idéias meros vislumbres do que não será. O que precisa ser feito é que a essência que nos forma deve nos acompanhar e crescer conosco.
Não se trata de idéia de auto-ajuda que diz que o segredo é mentalizar, ter pensamento positivo, acreditar e tudo acontece. É furada. Acreditar e confiar infelizmente estão sujeitos à uma série de outros fatores que nunca apresentarão firmeza o bastante para ser base de algo na nossa vida. Uma das questões levantadas no último texto foi sobre mudar o mundo. Gandhi falou que para mudar o mundo basta mudar a si mesmo. Nós temos que conhecer e reconhecer a nossa essência - ela não muda com o tempo. Mudar a si mesmo, acredito, trata-se de amadurecer essa essência ao ponto de que independente do que aconteça na sua vida, você nunca deixe de saber quem você é.

A nossa posição no mundo, nossa auto-confiança, nosso valor, nossas crenças, até a nossa existência, para se manter constante deve estar firmado em algo que possua firmeza. Não é uma tarefa fácil e as pressões e necessidades que temos tentam de qualquer modo nos diminuir (ou exaltar) com base em falsos conceitos, em bases mutáveis e corrompíveis. Mas é uma tarefa necessária para os que não querem viver sempre se questionando. Posso dizer que as minhas dúvidas e apreensões (que continuarão existindo) não tiram mais a minha paz. Sou cristão e atribuo muito da minha mudança à presença de Deus na minha vida, mas não acredito nessa história que basta jogar na mão dEle e esquecer. Santo Agostinho disse que "devemos orar como se tudo dependesse de Deus e trabalhar como se tudo dependesse de nós mesmos". E, até a fé que tenho nEle, se não baseada na ciência do que sei (e não apenas acredito), acaba sendo levada de um lado para o outro como as folhas pelo vento. Tudo reside na constância - mas isso é tópico para outra discussão.

A resposta que encontrei até o momento é que a nossa essência, o nosso valor real, só será reduzido quando nosso valor percebido é diminuído se optamos por sermos percebidos pelo que representamos e não pelo que de fato somos.

Este texto não está acabado pois sei que sempre haverá como crescer e amadurecer. A minha visão é como a que se tem em um espelho - vejo apenas o meu reflexo. Mas agregando a visão de amigos, familiares, colegas de trabalho, Deus, pessoas que gostam da gente, pessoas que não gostam, eu serei capaz de ver um pouco mais de quem sou. Como Paulo disse em I Corintios 13:12, "porque agora vemos por espelho em enigma, mas então veremos face a face; agora conheço em parte, mas então conhecerei como também sou conhecido." Para conhecermos a nós mesmos, temos que conhecer os outros também. Aristóteles estava certo quando disse que o homem é um animal social, assim como Davi quando no Salmo 131 diz que "é bom e suave que os irmãos vivam em união".