quarta-feira, 30 de junho de 2010

Ruas vazias, caldo-freddo e um cocker spaniel

O sol estava alto no céu e, apesar do calor, à sombra, o vento era gelado. As roupas lhe causavam um desconforto esquisito, aparentemente pelos quilos a mais. A bem da verdade, era um desconforto esquisito pois não se tratava de algo físico, era apenas uma sensação de readaptação - tivesse o dom do sentido, a água talvez se expressasse desta maneira ao mudar de recipientes. A interação havia sido boa e, mesmo convicto da inexistência de um porvir (contradizendo a promessa vazia feita há instantes), sentiu o ímpeto de abrir um sorriso largo quando fechou a porta atrás de si. 

Compreensão era algo que há muito perdera seu valor e, por assim dizer, a razão também lhe esvaía por entre os dedos. O vento e o sol expressavam com exatidão a contradição harmoniosa existente na sua alma. Com o cálido toque do astro-rei, relembrava-se da situação que aparentemente perduraria por outras jornadas. Com a gélida sensação das golfadas de vento intermitente, a calma e o refrigério que desafiavam os últimos resquícios de argumentação.

Esperava pelo troco no estacionamento, quando se aproximou cabisbaixo o cachorro de um estranho na esquina. Como quem espera aceitação, olhou para o alto e esperou, inexplicavelmente, por um afago. Decidiu aquiescer ao suposto desejo canino e, até a chegada da atendente, divertiu-se com o animal e sua  cara de chorão. Já a caminho da rua, ouviu os últimos latidos, talvez uma despedida ou, quiçá uma reclamação gerada pela ignorância da brevidade do encontro. O sol ainda brilhava forte no céu, mesmo ainda faltando algumas horas até o meio-dia. 

As ruas estavam vazias e, o caminho já feito por inúmeras vezes anteriormente, se apresentava como algo renovado. Talvez fosse apenas o asfalto recauchutado, as placas novas e os prédios recém-construídos. Talvez, e era assim que ele preferia acreditar, fosse por ver o caminho sob uma nova luz. O caminho se estendeu tanto quanto deveria e, em breve, estava de volta ao lugar de origem, mesmo não sendo o mesmo lugar.
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terça-feira, 29 de junho de 2010

Sementes, factóides e a cor verde

Sementes são pequenas, mas possuem dentro de si a capacidade de gerar coisas imensas. Pensando assim, cada atitude ou palavra que desferimos são como sementes que lançamos. No fim das contas, somos todos "semeadores" nessa vida. Podemos semear indiferença, cuidado, desdém, preocupação, dúvida ou convicção. A gente acaba esquecendo da parte importante - que essa sementes lançadas são geradas dentro de nós. E toda semente é gerada após algo que foi gerado, por isso, o coração tem que sempre ser terra fértil para se semear esperança.

Seguindo a linha dos textos anteriores, talvez devesse seguir explorando o tópico e traçar diversas analogias, chegando a uma conclusão óbvia, mesmo que não tão evidente. Apenas expondo um pouco do (bom) senso que existe em cada pessoa. Nada particular, nada pessoal, apenas analítico e generalista, por assim dizer. E é provável que eu volte a essa linha de pensamento eventualmente. Em algumas ocasiões, todavia, exibir (suposta) compreensão de nada vale - ou simplesmente explora uma experiência inócua em que o escritor (e o leitor) apenas concordam (ou discordam) em um assunto levantado e, em breve, já estão a busca de outras singularidades pluralizadas. 

Sou responsável por cuidar por aquilo que dá frutos aqui dentro. Mas antes disso, tenho que lembrar das coisas que de algum modo, mesmo sendo aparentemente insignificantes, me dão esperança. Ver a mão minúscula de um bebê, um casal de velhinhos de mãos dadas, receber uma ligação inesperada, saber que alguém em quem eu penso também pensa em mim, receber a encomenda internacional pelo correio, cheiro de livro novo, completar uma coleção e começar uma nova, comer comida da avó, recever elogios de supetão, Fran's invadindo a madrugada, rever amigos de longa data, sentir um abraço cheio de saudades, conseguir ir sentado no trem/metrô, não pegar trânsito em SP, ouvir uma música antiga e lembrar, falar com Deus, comprar um gadget novo, viajar, contar e ouvir anedotas, comer em um restaurante novo, acertar no presente dado, causar um sorriso, ouvir proparoxítonos.

Claro que há mais coisas, mas estas que eu lembrei são para deixar claro que eu não me esqueço de que a esperança (me) segue. Tem cor.
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terça-feira, 15 de junho de 2010

Olhos Fechados x Cheiro de Sabonete - A questão da namorada

Idealizar faz parte da perspectiva de um adolescente - seja as maravilhas da vida adulta ou as suas próprias capacidades. Aos poucos a realidade nos ensina que idealizar é uma manobra arriscada e, quase sempre, equivocada. Na maioria das vezes, o ideal é o arquiinimigo do real. Não que na realidade não encontremos qualidades comuns ao que fora idealizado - o problema reside em deixar que o padrão idealizado impeça de aceitar os supostos "defeitos" na realidade.

Vamos pensar na mulher 'perfeita', idealizada por um adolescente qualquer - alguém como eu, há uns anos. Ela seria uma modelo, cabelos sempre esvoaçantes e arrumados, olhos de safira e esmeralda (um olho de cada cor ia parecer um husky siberiano...), sorriso de marfim, voz de soprano, inteligente como Einstein, divertida como um humorista, sem frescura. Ter os mesmos gostos e desgostar das mesmas coisas. Em alguns momentos, eu poderia jurar que uma das características é que ela podia voar - fora que nunca haveria discordâncias e discussões entre nós. (Mais fácil ela voar do que o último ser verdade...)

Com o tempo, alguns destes quesitos perdem a valia, mas a nossa inerente condição de idealizador demora a ceder. Continuamos tentando encaixar as pessoas em nossos moldes pré-fabricados e, muitas vezes, perdemos oportunidades de conhecer e conviver com alguém por esse filtro erroneamente regulado. (Não que para um adolescente ou pré-adulto os critérios tenham valor eliminatório para o início de um envolvimento, mas eles existem e se tornam cada vez mais evidentes com o passar do tempo da relação).

Aprendi a aproveitar as coisas pequenas do relacionamento, o dia junto, a falta de necessidade de impressionar, a sinceridade e compartilhar a vida. Não importa quão perfeita a ideal seja na minha mente, ela sempre vai perder para a mulher real. Aquela que tem a altura de um abraço, peso leve como a liberdade de ir e vir, sorriso e olhar que te fazem bem. Cheiro de sabonete e  shampoo no cabelo recém-lavado, risada engraçada, voz desafinada. De vez em quando dorme de boca aberta, entrega o jogo só com a expressão do rosto, tentar entrar no teu mundo e te abre as portas para o mundo dela. Às vezes briga sem motivo, chora por motivos que só ela entende. Às vezes ela fala o que não deve e não fala o que deveria. Ela ama de verdade e consegue acreditar em você mesmo quando você mesmo não consegue. Ela fica nervosa e te deixa nervoso, vez ou outra. E, em certos dias, você vai duvidar e questionar, mas aí ela chega. E só de falar oi, parece que tudo que estava na tua cabeça era bobagem e questionamento sem sentido.

Não tem mais uma lista de requisitos a preencher - de repente, ela já preencheu a vaga toda. Não ligo mais para a tal "garota dos meus sonhos" - porque é quando estou acordado que realmente importa. Quando abro os olhos, ela está lá.
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terça-feira, 1 de junho de 2010

Inbetween mistypes


Seja por omissão ou troca de caracteres, os erros de digitação além de gerar algumas risadas, também podem gerar problemas na hora de se expressar uma mensagem. Podemos citar o caso da pessoa que ao fazer um apelo para caridade, ao tentar pedir 'colchões', esqueceu de uma letra e pediu por 'colhões'. Ou do outro que digitava em um teclado que não reconhecia acentos e ao tentar falar 'porta do céu', bom, vamos dizer apenas que o 'é' foi omitido. 

No nosso dia a dia, esses erros também permeiam (e estragam) a nossa vivência. Escolhemos a expressão errada, o momento errado. Escolhemos o silêncio quando o momento exige uma palavra, ou escolhemos a verborragia quando o ideal é manter o silêncio ou esperar o que a contraparte tem a dizer. Isso tudo fica muito evidente no início do diálogo, especialmente no início de uma interação. Se o rótulo inicial que criamos da pessoa não está diretamente ligada à aparência, - gorducho, magrela, baixinho, orelhuda, voluptuosa - provavelmente estará ligada ao modo ou ao que falamos - mudinho, tagarela, fanho, intrometido, pseudofilósofo. 

Todavia, compreensão não necessariamente depende de uma expressão literalmente correta. Tudo vai da fluência da outra parte em entender o que alguém diz - se eu escrever "boabgem", os que são sabem português vão entender o que quis dizer. Até o "cara dos colhões" que eu mencionei no começo do texto conseguiu passar sua mensagem, mesmo que gerando risadas. Quando se conhece alguém, aos poucos se torna fluente na "língua" que ela (não) diz - o Alberto fala o Albertês, a Maria fala o Marianês, e assim por diante. Sendo assim, mesmo que a pessoa cometa algum deslize na hora de se expressar, a idéia será transmitida de modo correto. Mas isso é tão raro (e trabalhoso) quanto se tornar fluente em uma língua estrangeira.

Com o passar do tempo, parece que a melhor opção para evitar os mal-entendidos é falar pouco. Ou, quase sempre, não falar nada. Seguindo a regra militar: "speak only if spoken to". Como disse o salmista, "até o idiota se passa por sábio quando fica com a boca fechada."
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