segunda-feira, 28 de abril de 2008

Vogais - Um

1) O I é o equilíbrio.
2) Ainda intento existir, assim, único, amorfo, ora oblíquo, ora ostentando as oscilações existentes em um ego.
3) Amiúde, encontro-me assim, insustentável.
4) Indubitavelmente, empilho as incertezas onde os olhos enxergam.
5) Uns assim, outros assado.

Infelizmente:
Infante, infâme
Inepto, incerto
Insípido, inócuo
Inconstante

Internamente:
Inerente, incoerente
Indissidente, indecente
Imprudente, inocente
Indiferente

Invariavelmente:
Importante, intrépido
Inexorável, inesquecivel
Intocável, imprescindível
Incrível

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Até amanhã.

quinta-feira, 3 de abril de 2008

Jimmy Quest - Capítulo 01

A rua já começava a ter os primeiros movimentos do trânsito da cidade. Os prédios quase se amontoavam, como se fizessem ao redor da avenida um conluio para obstruir todo o sol ou apenas inclinados uns para os outros como dondocas fofoqueiras revelando todos os segredos que ocorriam em seus corredores, salas, escadas e quaisquer outros recônditos secretos. As ruas se cruzavam e circuncidavam em um labirinto sem fim e as pessoas se atropelavam, sem olhar para o lado, sem olhar para os olhos, pisando firme nas calçadas, chicletes e mendigos que se amontoavam na circunvizinhança da riqueza esnobe. Cidade grande é assim, uma capa gigantesca de impessoalidade e frieza, escondendo um bando de pessoas perdidas, manipuladas, inseguras, sozinhas, desejosas de um pouco de contato, identificação. Talvez como os prédios que com as janelas abertas conseguem expôr aos olhos interessados de outrem aquilo que está atrás das suas persianas.

Ainda era 5h45 e o movimento cíclico parecia ter seu início cada vez mais cedo e término cada vez mais tarde. Receava que um dia iriam se encontrar, começo e fim. Por isso que resolveu morar ali por perto, no centro do movimento. Ao seu ver, era o único modo de viver fora do labirinto - ele não cogitava a possibilidade de morar no interior, era um cosmopolita. Tinha uma pequena casa no campo, onde passava quase todos os fins de semana, ora com alguns amigos, ora apenas consigo mesmo - mas não tinha como ficar muito tempo distante da correria das ruas da cidade, que lembrava de um jeito naturalista o fluir de sangue nas suas veias. Era uma questão de dependência, um vício terrível - as luzes neon, as noites intermináveis nos bares e restaurantes, as exposições de artes, os eventos, os cinemas. Era cinéfilo de carteirinha, hábito este que só se equiparava ao seu gosto pela leitura. Na sua sala de lazer, junto aos seus cds e dvds, pilhas de livros organizados em algumas estantes que rodeavam um velho e confortável sofá.

Ele olhava pela janela do seu duplex paralela à maior avenida da cidade - ainda não havia dormido e logo mais era hora de se preparar para ir ao trabalho. A insônia ia e vinha, como uma amiga não quista que mesmo colocando todas as vassoras atrás da porta, insiste em ficar. Sempre quando decidia parar pra pensar, esquecia que o tempo não parava em apoio aos seus vislumbres. Na mente, os inúmeros pensamentos e preocupações que permeiam a cabeça de qualquer um na sua faixa etária. Relacionamentos, amizades, profissão, fé, futuro. Talvez não tivesse com o que se preocupar - era, como a sociedade o costumava classificar, bem-sucedido. Tinha bons amigos que o cercavam, um ótimo trabalho, - perto de casa, horário flexível, bônus, et cetera - um futuro promissor. Tinha fé e, nesse quesito, isso bastava.

Faltava algo, faltava mais. Ainda faltava algo mais. Decidiu comprar um cachorro.

E foi aí que tudo começou a fazer sentido.

terça-feira, 1 de abril de 2008

Pobre vagabundo

Andava se sentindo o maioral - olhando para os lados, passos mansos. Quando dava na telha, deitava-se à sombra e ficava vendo o povo passar, bocejando e se espreguiçando enquanto o dia virava tarde. Era visto como um vagabundo, enxotado dos botecos a vassoradas e escapava as vezes até de uma pedra ou outra atirada por um lojista mal-intencionado. Só porque lhe faltava um banho não era motivo pra tanto, pensava.

Quando tinha fome e sede, pedia, a seu jeito, e sempre tinha uma alma bondosa que o ajudava. Ele acreditava que esse povo, mesmo com tantos exemplos de maldade por aí, era um povo bom. Um povo que sabia ajudar - quando se assentava perto das crianças de rua, elas se aglomeravam para ficar perto dele - sempre ganhava abraços, sorrisos. Ele entendia ainda menos que elas.

Mas o que ele era mesmo era um galã - gabava-se por ter um rol de conquistas que daria inveja a Clark Gable e Marlon Brando. As meninas se encantavam com seus olhos, as gatinhas se espantavam com seu porte e as cachorras, bem, era uma coisa de química, de raça. Elas reconheciam um da mesma espécie quando o via.

Um desses dias, daqueles que começam do mesmo modo que ontem, se deparou com uma madame. Ele se encantou de cara, mas sabia que não deveria chegar perto. Ao lado dela não era lugar pra vagabundo, pensou. Ela se aproximou, ele se encolheu. Ela riu e continuou a caminhar, ele, sem perceber, a seguia para cima e para baixo. Ela o levou pra casa, deu banho e comida e uma cama confortável. Dizia que o amava, que ela cuidaria dele pra sempre. Mas quando ela saia, ele sempre olhava pela janela, pelos vãos do portão e via lá fora a vida passar.

Nâo deu muito tempo, fugiu. Muro é sinônimo de prisão para um vagabundo. Voltou à vida mansa, um dia após o outro, sem lugar onde dormir mas sabendo que onde quer que fosse o sono, seria o lugar certo. E assim foi até o dia que partiu - atropelado na avenida.

Ninguém chorou, ninguém sentiu falta.
O caminhão de higiene da prefeitura veio recolher o que restou do corpo do cachorro e levou para ser incinerado. Pó ao pó.

Cachorro vai ser sempre cachorro.