Uma hora antes já tinha um mar verde e branco salpicado ora cá e lá com pontos azuis, ondulando vai-e-vem e aguardando ruidosamente a entrada no certame. Outros, tão não-precavidos como eu, procuravam ingressos, porém as bilheterias já estavam fechadas. Sobrava então encontrar de modo escuso um jeito de adquirí-los - jeito este que recusei - mais pelo custo do que pela honra. Andamos desolados, os três, afinal fora uma longa jornada até chegar lá. "Deveríamos ter vindo mais cedo", "deveríamos ter comprado o ingresso antes", "nem deveríamos ter vindo" - frases que dizíamos e escutávamos na caminhada de volta ao rumo pra casa. Então, a idéia surgiu: "Por que não entramos na torcida azul? Não estamos trajando o verde e branco. Nascemos e moramos por lá, os três já haviam assitido vários jogos do azul". Por isso a idéia soou boa e, a priori, original.
Sem fila, sem grande massa de pessoas chegamos às bilheterias após mentir descaradamente aos policiais dizendo sermos torcedores do azul. A primeira vista foi a multidão verde e branca do outro lado, cantos e gritos entoados, festa. Do nosso lado, uns 20 corajosos que gritavam quase que em vão os versos do desafiante. Mantemo-nos quietos até que os times entraram em campo. Para minha supresa, lá os seus 80% gritaram junto com o verde. Ri-me pelo pensamento tolo de pensar ser os únicos ali a ter essa "idéia brilhante". Primeiro gol do verde - toda a multidão de lá e quase toda a de cá pulam e comemoram. Os policiais se levantam e começam a olhar aquele espetáculo ridículo de "torcedores" comemorando contra o próprio time. Pouco após começaram as ações militares.
Um lance de perigo do verde e meus dois comparsas se levantam em revolta. Eu, devido ao ócio, prefiro permanecer sentado. Um dos cinzas chama os dois ao meu lado e pede para que o acompanhem. E junto a eles parte da multidão traidora se vai para fora do estádio. Sai o segundo gol do verde e dessa vez a festa é copiosa do lado de lá e reservada do lado de cá. Próximos, dois casais de amigos com as famílias completas - filhos pequenos e adolescentes. Ao meu lado, um menino de 3 anos que estava bem mais interessado nos cachorros quentes e salgadinhos. Pouco antes de terminar o primeiro tempo, sinto algo apoiado em mim e vejo a criança quase dormindo escorado no meu flanco. A mãe se desculpa e sorri, o menino sorri e dorme e eu apenas sorrio.
Acaba a primeira etapa e o céu nublado que trazia chuva começa a ser sobreposto pelo sol de fim de tarde. As nuvens ao sairem de frente da luz solar causa um movimento semelhante ao de uma onda nos braços que se levantam. O movimento oposto ocorre quando as nuvens tentam timidamente esconder o astro-rei. E essa onda de mãos subindo e descendo continuaram de modo cômico e pitoresco, inclusive após o começo da etapa final. Os torcedores-traidores reúnem-se em conchavo. Elucidam a hipótese de uma rebelião em grande escala, completa escala, caso saia o terceiro tento do verde. Não importa o que esteja escondido, uma hora deve ser trazido a luz. Ouço piadas e comentários lá e cá. O menino continua dormindo tranquilamente no colo da mãe que ri dos gritos de baixo calão da torcida e se espanta com os lances do jogo.
Faltando 20 minutos para o final do jogo, há uma pausa para um último descanso. E para mim a deixa para partir - como estava sem os outros dois mosqueteiros, a jornada de volta seria mais complicada. Além disso, o tempo urgia e os compromissos ainda a serem cumpridos no dia latejavam na memória e gritavam as consequências de uma suposta demora na volta ao lar. Ao sair do estádio, olho de soslaio os "torcedores" que estavam junto a mim nessa empreitada e saio satisfeito com essa primeira experiência. Entendo também um pouco mais dessa paixão que o nosso povo sofrido tem por um esporte. É muito mais que um jogo - é algo que movimenta multidões, corações. Do lado de fora, o veredito: mais uma promessa cumprida, mais uma história para contar, e as juras de que um dia eu volto lá, só que desta vez do (meu) lado certo. Ainda saíram mais dois gols após o início da minha jornada de volta - e o verde sobrepujou o azul por 3 a 1.
Palmeiras x São Caetano, Parque Antártica, 29/03/2008.