segunda-feira, 31 de março de 2008

A primeira partida de futebol

Uma hora antes já tinha um mar verde e branco salpicado ora cá e lá com pontos azuis, ondulando vai-e-vem e aguardando ruidosamente a entrada no certame. Outros, tão não-precavidos como eu, procuravam ingressos, porém as bilheterias já estavam fechadas. Sobrava então encontrar de modo escuso um jeito de adquirí-los - jeito este que recusei - mais pelo custo do que pela honra. Andamos desolados, os três, afinal fora uma longa jornada até chegar lá. "Deveríamos ter vindo mais cedo", "deveríamos ter comprado o ingresso antes", "nem deveríamos ter vindo" - frases que dizíamos e escutávamos na caminhada de volta ao rumo pra casa. Então, a idéia surgiu: "Por que não entramos na torcida azul? Não estamos trajando o verde e branco. Nascemos e moramos por lá, os três já haviam assitido vários jogos do azul". Por isso a idéia soou boa e, a priori, original.

Sem fila, sem grande massa de pessoas chegamos às bilheterias após mentir descaradamente aos policiais dizendo sermos torcedores do azul. A primeira vista foi a multidão verde e branca do outro lado, cantos e gritos entoados, festa. Do nosso lado, uns 20 corajosos que gritavam quase que em vão os versos do desafiante. Mantemo-nos quietos até que os times entraram em campo. Para minha supresa, lá os seus 80% gritaram junto com o verde. Ri-me pelo pensamento tolo de pensar ser os únicos ali a ter essa "idéia brilhante". Primeiro gol do verde - toda a multidão de lá e quase toda a de cá pulam e comemoram. Os policiais se levantam e começam a olhar aquele espetáculo ridículo de "torcedores" comemorando contra o próprio time. Pouco após começaram as ações militares.

Um lance de perigo do verde e meus dois comparsas se levantam em revolta. Eu, devido ao ócio, prefiro permanecer sentado. Um dos cinzas chama os dois ao meu lado e pede para que o acompanhem. E junto a eles parte da multidão traidora se vai para fora do estádio. Sai o segundo gol do verde e dessa vez a festa é copiosa do lado de lá e reservada do lado de cá. Próximos, dois casais de amigos com as famílias completas - filhos pequenos e adolescentes. Ao meu lado, um menino de 3 anos que estava bem mais interessado nos cachorros quentes e salgadinhos. Pouco antes de terminar o primeiro tempo, sinto algo apoiado em mim e vejo a criança quase dormindo escorado no meu flanco. A mãe se desculpa e sorri, o menino sorri e dorme e eu apenas sorrio.

Acaba a primeira etapa e o céu nublado que trazia chuva começa a ser sobreposto pelo sol de fim de tarde. As nuvens ao sairem de frente da luz solar causa um movimento semelhante ao de uma onda nos braços que se levantam. O movimento oposto ocorre quando as nuvens tentam timidamente esconder o astro-rei. E essa onda de mãos subindo e descendo continuaram de modo cômico e pitoresco, inclusive após o começo da etapa final. Os torcedores-traidores reúnem-se em conchavo. Elucidam a hipótese de uma rebelião em grande escala, completa escala, caso saia o terceiro tento do verde. Não importa o que esteja escondido, uma hora deve ser trazido a luz. Ouço piadas e comentários lá e cá. O menino continua dormindo tranquilamente no colo da mãe que ri dos gritos de baixo calão da torcida e se espanta com os lances do jogo.

Faltando 20 minutos para o final do jogo, há uma pausa para um último descanso. E para mim a deixa para partir - como estava sem os outros dois mosqueteiros, a jornada de volta seria mais complicada. Além disso, o tempo urgia e os compromissos ainda a serem cumpridos no dia latejavam na memória e gritavam as consequências de uma suposta demora na volta ao lar. Ao sair do estádio, olho de soslaio os "torcedores" que estavam junto a mim nessa empreitada e saio satisfeito com essa primeira experiência. Entendo também um pouco mais dessa paixão que o nosso povo sofrido tem por um esporte. É muito mais que um jogo - é algo que movimenta multidões, corações. Do lado de fora, o veredito: mais uma promessa cumprida, mais uma história para contar, e as juras de que um dia eu volto lá, só que desta vez do (meu) lado certo. Ainda saíram mais dois gols após o início da minha jornada de volta - e o verde sobrepujou o azul por 3 a 1.

Palmeiras x São Caetano, Parque Antártica, 29/03/2008.

3 comentários:

junior disse...

Another step in the way.

dicionarista-embaçado disse...

ócio redentor
Moral da história: fique quieto e nada de ruim acontece. Afinal de contas: sempre estamos, certa maneira, do lado errado.

Chato disse...

HAhahaa. com quem que tu foi?
taí uma coisa que eu ainda tneho que fazer... afinal de contas.. até ao sambódromo eu ja fui....