terça-feira, 1 de abril de 2008

Pobre vagabundo

Andava se sentindo o maioral - olhando para os lados, passos mansos. Quando dava na telha, deitava-se à sombra e ficava vendo o povo passar, bocejando e se espreguiçando enquanto o dia virava tarde. Era visto como um vagabundo, enxotado dos botecos a vassoradas e escapava as vezes até de uma pedra ou outra atirada por um lojista mal-intencionado. Só porque lhe faltava um banho não era motivo pra tanto, pensava.

Quando tinha fome e sede, pedia, a seu jeito, e sempre tinha uma alma bondosa que o ajudava. Ele acreditava que esse povo, mesmo com tantos exemplos de maldade por aí, era um povo bom. Um povo que sabia ajudar - quando se assentava perto das crianças de rua, elas se aglomeravam para ficar perto dele - sempre ganhava abraços, sorrisos. Ele entendia ainda menos que elas.

Mas o que ele era mesmo era um galã - gabava-se por ter um rol de conquistas que daria inveja a Clark Gable e Marlon Brando. As meninas se encantavam com seus olhos, as gatinhas se espantavam com seu porte e as cachorras, bem, era uma coisa de química, de raça. Elas reconheciam um da mesma espécie quando o via.

Um desses dias, daqueles que começam do mesmo modo que ontem, se deparou com uma madame. Ele se encantou de cara, mas sabia que não deveria chegar perto. Ao lado dela não era lugar pra vagabundo, pensou. Ela se aproximou, ele se encolheu. Ela riu e continuou a caminhar, ele, sem perceber, a seguia para cima e para baixo. Ela o levou pra casa, deu banho e comida e uma cama confortável. Dizia que o amava, que ela cuidaria dele pra sempre. Mas quando ela saia, ele sempre olhava pela janela, pelos vãos do portão e via lá fora a vida passar.

Nâo deu muito tempo, fugiu. Muro é sinônimo de prisão para um vagabundo. Voltou à vida mansa, um dia após o outro, sem lugar onde dormir mas sabendo que onde quer que fosse o sono, seria o lugar certo. E assim foi até o dia que partiu - atropelado na avenida.

Ninguém chorou, ninguém sentiu falta.
O caminhão de higiene da prefeitura veio recolher o que restou do corpo do cachorro e levou para ser incinerado. Pó ao pó.

Cachorro vai ser sempre cachorro.