quinta-feira, 3 de abril de 2008

Jimmy Quest - Capítulo 01

A rua já começava a ter os primeiros movimentos do trânsito da cidade. Os prédios quase se amontoavam, como se fizessem ao redor da avenida um conluio para obstruir todo o sol ou apenas inclinados uns para os outros como dondocas fofoqueiras revelando todos os segredos que ocorriam em seus corredores, salas, escadas e quaisquer outros recônditos secretos. As ruas se cruzavam e circuncidavam em um labirinto sem fim e as pessoas se atropelavam, sem olhar para o lado, sem olhar para os olhos, pisando firme nas calçadas, chicletes e mendigos que se amontoavam na circunvizinhança da riqueza esnobe. Cidade grande é assim, uma capa gigantesca de impessoalidade e frieza, escondendo um bando de pessoas perdidas, manipuladas, inseguras, sozinhas, desejosas de um pouco de contato, identificação. Talvez como os prédios que com as janelas abertas conseguem expôr aos olhos interessados de outrem aquilo que está atrás das suas persianas.

Ainda era 5h45 e o movimento cíclico parecia ter seu início cada vez mais cedo e término cada vez mais tarde. Receava que um dia iriam se encontrar, começo e fim. Por isso que resolveu morar ali por perto, no centro do movimento. Ao seu ver, era o único modo de viver fora do labirinto - ele não cogitava a possibilidade de morar no interior, era um cosmopolita. Tinha uma pequena casa no campo, onde passava quase todos os fins de semana, ora com alguns amigos, ora apenas consigo mesmo - mas não tinha como ficar muito tempo distante da correria das ruas da cidade, que lembrava de um jeito naturalista o fluir de sangue nas suas veias. Era uma questão de dependência, um vício terrível - as luzes neon, as noites intermináveis nos bares e restaurantes, as exposições de artes, os eventos, os cinemas. Era cinéfilo de carteirinha, hábito este que só se equiparava ao seu gosto pela leitura. Na sua sala de lazer, junto aos seus cds e dvds, pilhas de livros organizados em algumas estantes que rodeavam um velho e confortável sofá.

Ele olhava pela janela do seu duplex paralela à maior avenida da cidade - ainda não havia dormido e logo mais era hora de se preparar para ir ao trabalho. A insônia ia e vinha, como uma amiga não quista que mesmo colocando todas as vassoras atrás da porta, insiste em ficar. Sempre quando decidia parar pra pensar, esquecia que o tempo não parava em apoio aos seus vislumbres. Na mente, os inúmeros pensamentos e preocupações que permeiam a cabeça de qualquer um na sua faixa etária. Relacionamentos, amizades, profissão, fé, futuro. Talvez não tivesse com o que se preocupar - era, como a sociedade o costumava classificar, bem-sucedido. Tinha bons amigos que o cercavam, um ótimo trabalho, - perto de casa, horário flexível, bônus, et cetera - um futuro promissor. Tinha fé e, nesse quesito, isso bastava.

Faltava algo, faltava mais. Ainda faltava algo mais. Decidiu comprar um cachorro.

E foi aí que tudo começou a fazer sentido.