quarta-feira, 2 de julho de 2008

Addicted

Ele já havia passado do longo estado de negação - cada dia uma ferida em seu orgulho que ficou em frangalhos. Passou boa parte do tempo isolado, sentindo raiva do mundo, mas principalmente de si mesmo. Negociava com Deus, com o mundo, com os números, com os fatos. Andava nos limiares da depressão, resgatado sempre por um triz, mas deixando algo do lado de lá do muro.
Havia aprendido a aceitar, e com a aceitação veio a inerente necessidade de mudança. Ele estava cansado dos constantes esforços para mostrar ao mundo e, principalmente para ele mesmo, que era de fato alguém disposto a melhorar. "As vississitudes do renascimento", dizia ele. Paralelo a isso, residia também o empenho em não voltar ao poço de onde havia sido retirado - toda aquela sujeira demorou a ser lavada e, até hoje, muitos ainda o viam apenas como aquele que tinha caído.

O vício acaba com uma pessoa, gera dependência, confusão, inversão de valores, auto-destruição, negação de si mesmo. O vício domina, toma conta e as vezes até toma o lugar da pessoa, que se diminui, se reduz a nada comparado ao que se fora. Ao se depararem com a realidade, boa parte se entrega à auto-comiseração, auto-flagelação, depressão, baixa auto-estima, ódio-próprio. O vício é algo que destrói com maior intensidade o ego do que o corpo. Para os poucos que conseguem se livrar, uma parcela ainda mais reduzida consegue viver como mais do que uma casca reciclada cujo interior não foi restaurado.

Quando ainda pouco impressionava com suas quase-intactas habilidades de diálogo, para ele parecia apenas uma verborragia mentecapta, limitada ao pouco de sanidade que lhe restou. Ele sabia que a responsabilidade era dele, por se achar forte demais, imune demais.
Essas lembranças sempre traziam à tona o pior dele (ou nele) e acentuava os conflitos entre o seu enraigado presente e o alado futuro. O seu eu destruído e aquele que desejava renascer. Para um viciado, a luz no fim do túnel não quer recebê-lo - é uma luta contra a luz e a escuridão, um pária na batalha maniqueista. O desejo de vencer é mitigado pela pressão da derrota iminente e das marcas das derrotas anteriores. Antes mesmo que um passo seja dado, uma luta devastadora ocorre sem testemunhas e sem vencedores.

- Por que lutar por autopreservação quando falta amor-próprio?
- Porque talvez se você conseguir a autopreservação, ela puxa o amor-próprio. Algumas vezes, a solução está no caminho oposto.


A luta não é contra o vício, mas contra si mesmo. O vício corrompe, mas quem se destrói é o homem. Por isso sabemos quando devemos lutar, quando devemos esperar e quando devemos fugir. A sobrevivência não dá margem para a vergonha.
Deve-se entender que não se ruma à melhora, é apenas a jornada de volta. Só chega-se à luz quando se percebe o fato de que lá é seu lugar. Para quem sai do vício, o caminho é o oposto.


Quando de ponta-cabeça, nossos pés tocam o chão.

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