terça-feira, 20 de janeiro de 2009

Puzzled

Desde criança, sempre gostou de montar quebra-cabeças. O encaixe perfeito das peças e o fato de ver aquele bando de peças aparentemente deformadas e sem sentido se tornarem juntas em algo tão bonito o deixavam fascinado. Ele não entendia, mas sabia que por mais que tudo estivesse desorganizado, uma hora tudo faria sentido.
Aos poucos, ele se tornou viciado no inebriante sabor do controle. Sabor que tem o aroma doce do mel mas, o gosto é de fel misturado com o amargor da desilusão. Mas até então, ele era apenas criança e sabia pouco. Talvez o bastante para entreter os seus iguais, mas não chegava no limite necessário para fazê-lo sentar-se à roda dos adultos.
Logo, os quebra-cabeças vinham com mais peças, desenhos mais complexos. E o tempo era tão fugidio, mal encontrava as beiradas e já era tempo de montar um outro. Ora se é montador, ora se é apenas peça. E, por crescer vendo o mundo se encaixar, acreditava piamente que tudo era um gigantesco quebra-cabeça. E que, mais cedo ou mais tarde, ele haveria de achar onde se encaixar. Pouco mais tarde, perceberia que mais importante que o onde é o em quem. E quebrou a cabeça para encontrar a tal da peça de encaixe, mas não conseguiu.
Em tese, encontrar essa peça não é tão difícil. O espectro é amplo, as opções variadas e os pontos de possível convergência são diversos. Mas aí entra a questão do encaixe perfeito. Quando montava um quebra-cabeça, tentava vez ou outra encaixar peças que pareciam ser corretas, mas que não eram de encaixe perfeito. Uma aresta era mais arredondada ou o desenho não fazia sentido. Não adianta apenas encaixar, tem que fazer sentido para quem vê lá de cima.
Na vida, ele aprendeu que as peças não são como as dos quebra-cabeças que não mudam. Na vida real, as peças mudam o encaixe e até ocultam o desenho sobre si. Além disso, não se consegue ver a peça inteira logo de cara. É preciso tempo para conhecer os lados, ver o desenho e perceber se há ou não o encaixe.
Há de se lidar com a realidade de que se pode não ver o desenho completo, que se pode não achar a tal da peça de encaixe perfeito e, pior ainda, de já ter se relacionado com a peça e por não aceitar que haveria mudança ou por não ter se empenhado em descobrir mais sobre ela, tem que vê-la encaixada com outra. De ontem em diante, aprendeu a não abrir mão da chance de conhecer as peças que lhe parecem encaixáveis. Mas, independente da ignorância, pagamos pelos nossos atos.
Para ele, não há nada mais frustrante que um quebra-cabeça incompleto. E ele torce. Faz figa com todos os dedos. Dobra os joelhos para que peça. Pede que a sua peça não tenha se encaixado. E pede também que volte a acreditar que, mesmo sem entender, uma hora tudo se organize e faça sentido.

Um comentário:

kkmkaori disse...

Quando começamos a montar nosso quebra-cabeça, damos pela falta de uma peça e, ainda assim, continuamos encaixando as outras despreocupadamente. Imaginamos que ela está por aí, perdida em algum lugar, e logo irá aparecer. No entanto, só quando completamos a maior parte do quebra-cabeça, reparamos o quanto, ainda que minimamente, uma pecinha faz toda a diferença para ficarmos completos. E, o pior de tudo, é esse deja vu, é saber que já a vimos, que ela existe e que não a conseguimos encontrar.

Por causa das minhas peças eu quase rezo.