quinta-feira, 8 de abril de 2010

Relevar o mistério

Só nos decepcionamos com alguém, quando não o conhecemos de fato.

Acredito que não haja surpresas em um relacionamento verdadeiro - seja amizade, amoroso ou profissional.  Quando se há a expressão verdadeira sobre a perspectiva sobre os assuntos compartilhados, não há o desconforto do inesperado. Antes que as pedras comecem a voar, apenas para esclarecer, não ter surpresas não quer dizer que a pessoa não possa fazer algo supreendente. Dar um presente, fazer uma visita, preparar uma festa, fazer uma ligação no meio do dia, mandar telemensagem, contratar mariachis nus para cantar no dia do aniversário no ambiente de trabalho, aparecer em um trio elétrico e cantar músicas do Wando. Estas são todas ações que causam surpresa no momento, mas, mesmo trazendo alegria ou profundo constrangimento, em nenhum momento esse tipo de ação traz uma confusão (ou a sensação "que diabos?!") Falta de surpresa de modo algum significa falta de emoção.

O que quero dizer é que as atitudes e as reações da pessoa com a qual nos relacionamos não nos surpreendem pois simplesmente a conhecemos. Ou seja, se há supresa, não conhecemos. E se não conhecemos, não há relacionamento.

Há aqueles que defendem o mistério, dizendo que nele reside o algo "a mais" na relação. Acredito não haver maior contradição do que esta. A relação justamente existe por haver confiança e intimidade - para isso, há a necessidade da ausência de incógnitas. Quero me cercar de pessoas com quem posso contar sempre - não de pessoas que sempre terão um mistério a ser desvendado. Já se passou o tempo de ter paciência de ficar resolvendo charadas ou participando de joguinhos - a adolescência e o baile de máscaras já acabaram. Claro que as pessoas possuem características que, dependendo da relação existente, nunca são evidenciadas. Não se sabe como o chefe se relaciona com um amigo ou alguém da família (saber no sentido de possuir tal característica no seu relacionamento). Ou também como um amigo se relaciona com a família ou com a namorada. Mas dentro da relação e nas características compartilhadas, deve-se haver uma constância - mesmo que a constância seja saber que a pessoa é volúvel.

Nos últimos tempos, andei lendo e ouvindo algumas coisas que me surpreenderam, de certo modo - não pelo conteúdo das palavras, mas pela motivação por trás delas. Talvez a decepção decorrente disso tudo não seja com outrem, mas sim comigo por tentar defender (mentir?) pra mim mesmo, a existência (ou consistência) de algo que realmente não existe tal qual idealizado. Claro que há também as nossas próprias motivações - difícil admitir pra si mesmo que se conserva recipientes vazios nas estantes, enquanto se acredita no valor dos conteúdos e não dos rótulos.

Revisando, então, a frase inicial: Só nos decepcionamos com alguém, porque nos decepcionamos conosco primeiro.

Enquanto boa parte das pessoas gostam de revelar o mistério, eu prefiro a opção disléxica e sou adepto do relevar o mistério. Cultivando os relacionamento e todas as peculiaridades da contraparte (mesmo aquelas com as quais discordo ou não diretamente admiro), sem surpresas. Mas sempre com intensidade, valor, com vida, cor e riso.

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