quinta-feira, 4 de novembro de 2010

Vita brevis, dura lex


Vita brevis, ars longa. A máxima latina, que indica que a nossa vida é breve, mas o que criamos perdura, tem se tornado uma dura sina na nossa sociedade atual. Não que tenha perdido sua valia, mas hoje exemplifica bem como tentamos derrotar a nossa temporalidade por intermédio de nossas ações, deixando um legado que ganha importância pela numerosa atuação e não pela qualidade e profundidade de cada uma delas.
 
Esta ganância por sempre ter e fazer mais pode ser traçado também até o conflito entre o ter e o ser, geralmente atribuída como epítome da discussão filosófica entre oriente e ocidente. A temporalidade da vida humana em comparação com a continuidade de sua existência está bem expressa na cultura e até no idioma. Por exemplo, em japonês, usa-se a mesma palavra pra pó e orgulho e, a escrita de humano é feita com dois ideogramas - o de pessoa e o de período de tempo. Acredito que esta percepção é algo decorrente do tempo que um povo existe e amadurece, portanto, é uma questão de tempo até que o lado de cá, os povos ainda "não-milenares", compreenda e aceite que o tempo é inexorável e que a nossa existência não se mede pela miríade de ações apenas.
 
O que ocorre hoje em dia é que há uma dificuldade inerente à geração do mundo instantâneo de reconhecer a necessidade de um processo temporal para se atingir algo. Tudo se obtem com mínimo esforço - na verdade, a luta do homem, desde que inventou a roda, as polias e outras mais, é a de conseguir obter êxito nas suas ações com o mínimo de esforço. O que acontece é que as gerações que iam conquistando estes avanços passavam para as gerações seguintes não apenas o resultado, mas todo o processo e a importância dessa mudança. Era dado o devido valor ao que se alcançava. A tal da geração Y hoje, apesar de ter recebido todos os frutos dos avanços colossais das últimas décadas, não parece ter aprendido o real valor desses avanços - os remanescentes da minha geração, por exemplo, entendem muito bem como a informática, a internet e a tecnologia tornaram nossas vidas mais fáceis - por isso também somos mais reticentes na adaptação e também no descartar e mudar. O cerne da questão é que essa facilidade e agilidade em se obter praticamente tudo, geram uma incapacidade de entender a necessidade de tempo para que os processos de maturidade sejam realmente desenvolvidos. Há uma geração doente, que não sabe se é criança ou adulta, que não sabe assumir responsabilidades ou defender suas próprias convicções, se é que possuem algumas que são realmente próprias.
 
Com a internet e o boom da comunicação, somos bombardeados a todo o momento com novos dados. Tornamo-nos 'infoholics', dependentes de recebermos quantidades massivas de informação - na maioria das vezes, inútil - para que, assim, justifiquemos a nossa existência. Abre-se o leque para que aquilo represente a sua vida. Eu não sou o que sou, sou o que sei. Esquece-se, todavia, de um detalhe crucial - informação não é sabedoria. Michel Melamed, no seu livro 'Regurgitofagia', diz que temos que literalmente vomitar toda a informação que tragamos para então comermos novamente apenas aquilo que queremos. A capacidade de filtrar está vitalmente deficitária em nossas vidas, e isso nos torna não pessoas cheias de conhecimento e sabedoria, mas sim HDs ambulantes que apenas recitam o que foi baixado em sua memória. Esta overdose de informação gera, dentre outras consequencias, o advento de um conceito distorcido de que a informação que aparece mais vezes é algo mais importante. Essencialmente ligada à questão exposta inicialmente de que a atuação numerosa é tida como mais importante que a profunda.
 
O que vemos hoje em dia é como pessoas se tornam ícones na sociedade sem ter feito nada, apenas pela quantidade de informação gerada e divulgada. Vide as pseudo-celebridades do twitter, as 'Geisis Arrudas', os ídolos pop. Uma sociedade que um dia buscava ser e pensar como Sócrates, Marx, Luis Carlos Prestes, hoje procura ser como Justin Bieber, Restart e outros. Fama é vista como sucesso - arrisco-me a dizer que na maioria dos casos, apenas a fama é vista como sucesso, mesmo sendo conceitos muito diferentes. Dentre as diversas diferenças, pode-se dizer que enquanto o bem sucedido torna-se suscetível (às influências da sociedade, às oportunidades que se apresentam, às opiniões de terceiros), o famoso torna o outro suscetível (ao seu exemplo, às suas ações e suas opiniões).
 
Entendo que pode se traçar toda esta reflexão a estes três fatos - o falso conceito de que mais é sempre melhor, a confusão entre sucesso e fama e a influência dessa distorção de conceitos no nosso convívio social. Apesar de ser um dos pivôs da expansão nazista, Joseph Goebbels disse uma frase que é relativamente correta, considerando a percepção do povo - "uma mentira muitas vezes repetida, se torna verdade." O que eu percebi é que há uma nova vertente dessa frase - "o óbvio dito muitas vezes, se torna extraordinário." O objetivo mais árduo de ser atingido é o de encontrar algo realmente extraordinário em um mundo superestimado.

Um comentário:

Anônimo disse...

Estamos diante do constante paradoxo contemporâneo entre extremas fragmentação e homogeneização.

Ao passo que os HDs ambulantes têm de separar pastas e pastas e pastas com um ou dois arquivos ao final de cada uma, com bites de espaço para cada arquivo, nossos antecessores HDs, tinham 3 ou 4 pastas, com documentos de vários gigas de tamanho. Fragmentamos a informação, enquanto homogeneizamos conceitos de sucesso, notoriedade e fama - como se fossem uma coisa só, medida pela quantidade de informação (nas diferentes pastas?) sobre o ser notório.

O que acho realmente difícil é manter minha natureza de pluralidade aprofundada quando a demanda é por seres totalmente pluralizados ou aprofundados, dependendo do contexto. Eu me torno como alguém expatriado por meia vida, o eterno forasteiro, seja em sua terra natal ou sua atual residência. Paradoxal por natureza.

Fez sentido isso tudo?!?!