sexta-feira, 14 de janeiro de 2011

Criatividade, desesperança e o grilo falante calado (Conto)


Em um boteco qualquer, na véspera de um fim de semana qualquer 
 
Ele estava sentado na frente do bar, esperando os amigos, mas já bebendo o primeiro copo de cerveja. Era uma sexta-feira quente, começo de verão. A semana tinha sido corrida, cheia de trabalho e dores de cabeça e, honestamente, o que viesse naquele momento era lucro.
 
Quando ela dobrou a esquina, ainda distraída com os cachorros que estava latindo do outro lado da rua, ele já sabia que teria problemas. 'Mesmo sem ver os olhos, ele já viu o futuro. Ele contaria essa história muitas vezes, de como se conheceram em um bar e como ele soube, antes mesmo da primeira troca de olhares, que com ela não seria apenas mais um encontro fortuito.'

Ela passou por ele sem dar-lhe muita atenção, apenas um sorriso educado, daqueles que as mulheres bonitas dão pra qualquer um em seu raio de (re)ação. Ele apenas retribuiu com um pequeno meneio de cabeça, incerto se deveria ou não responder o ato retórico. Ela sentou-se à mesa ao lado, com algumas amigas que estavam aos berros antes mesmo que ela se sentasse. Neste mesmo momento, os amigos dele chegaram jorrando risadas aos borbotões e xingamentos em igual quantidade pelo fato de ele ter começado a beber sem esperar os comparsas.

Durante a noite, as duas mesas trocaram sorrisos e comentários, compartilharam idéias, goles e a microvida que era o happy hour naquele momento. Ele olhava pra ela, ela olhava pra ele. Ele sorria pra ela, ela sorria pra ele. Trocaram breves palavras, aquelas que se oferece a todos quando se vê pela primeira vez, as que não ofendem nem defendem, não movem e não deixam estagnar. Toda vez que bebia um pouco da sua bebida, ele via um pouco mais do que viria. 

'Depois de alguns meses de namoro, algumas diferenças se tornariam evidentes. Ele não queria abrir mão de certas coisas, ela tinha ciúmes da melhor amiga dele. Ela colocava a carreira profissional em primeiro lugar e ele não largava da barra da saia da mãe. Ela queria drama, ele preferia comédia.'

Um dos seus amigos disse que deveriam juntar a mesa e, sem nenhuma restrição, todos se levantaram para se aproximarem. Ele sentou-se de frente pra ela, como já era de se esperar. Ela sempre comentava algo e sorria pra ele. Ele estava ligeiramente alterado, mal ouvia o que ela dizia e apenas sorria de volta. Mais algum tempo de papo furado, começaram as trocas de contatos. E-mails, twitters, facebooks, celulares sendo falados, anotados, pesquisados e adicionados. Ela fez questão de anotar os contatos dele primeiro - e apenas dar o número do celular dela pra ele. Ele passou o número de celular também e recebeu uma mensagem de "oi" alguns segundos depois. Eles ficaram um bom tempo conversando, sobre assuntos aleatórios, locais de trabalho, viagens para o exterior e futilidades diversas que faziam parecer que tinham o mundo inteiro em comum, almas gêmeas que estavam esperando esta noite para se encontrar. Os olhares se tornaram mais intensos e os toques nas mãos através das mesas, mais frequentes. Quando os garçons começaram a virar as cadeiras sobre as mesas, todos decidiram ir embora, já entre promessas da balada que combinariam para o sábado que acabara de começar nos relógios.

'Aos trancos e barrancos, chegariam ao primeiro aniversário. Ele querendo mais tempo com os amigos, ela querendo menos tempo com ele. O interesse por outras pessoas apareceria, as brigas se acentuariam e depois de um período de empurrar com a barriga, chegariam à triste conclusão de que não daria certo. De novo. Mais uma ferida, mais um processo de cura, mais um monte de lamúria e lágrimas de tristeza egoísta. E depois de um tempo tudo começaria de novo. Realmente, não teria como dar certo.'

O beijo, no rosto, de despedida foi mais demorado e foi acompanhado com um abraço um pouco tímido. O interesse mútuo era óbvio e a única escolha a fazer era a sua certeza do porvir ou a incerteza do olhar da menina que acabou de virar as costas e olhou de soslaio, entre comentários e risinhos de boas más intenções com as amigas. 

Ela entrou no carro.

'Não vai dar certo.'

Ela olhou de novo pra ele.

'Não tem como dar certo.'

Ela foi embora.

'Você sabe que não vai dar certo.'
 
Pegou o celular 
"Que horas eu te pego pro jantar antes da balada amanhã? Comida japonesa?"
- Enviar - 

'Depois não diga que não te avisei.'

E depois de enviar a mensagem, enviou também uma prece silenciosa para os céus, para que dessa vez a consciência errasse.

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