terça-feira, 11 de novembro de 2008

Il barbiere

Um rapaz veio sem ânimo mas também sem resistência e se sentou na cadeira do barbeiro. Não olhou para o espelho para não ver o rosto daquele que viria - na verdade, não queria ver o rosto do que já havia chegado.O barbeiro colocou o avental em si e nele, amarrou na altura do pescoço, atou as mãos e os pés. Ele não conseguia nem ao menos se mover e quando olhou pra cima, ficou supreso mas não se espantou de ver que a face lhe era familiar. A mordaça foi o último detalhe.

O barbeiro não tinha olhos, mas o que mais o deixou assustado é que não tinha um sorriso, uma palavra em seus lábios que o deixassem mais confortável em sua prisão. Com a sua navalha e sem misericórdia, o barbeiro esculpia a face do rapaz, que não podia fazer nada a não ser esperar. E, vez ou outra, o rapaz torcia que em um golpe de errado (exato?), um corte certeiro fizesse tudo acabar.

O barbeiro só pára quando julgar ser a hora. Para o rapaz, ele nunca pára. Com sua navalha, ele vai esculpindo golpe a golpe até que sobre apenas os ossos. É apenas uma questão de tempo até que...
Tire os olhos e com eles a capacidade de olhar além.
Tire os ouvidos e com eles a capacidade de ouvir e aprender.
Tire os lábios e com eles a capacidade de se expressar, de reclamar.

Maniatado, na então eterna espera pelo fim.

O barbeiro se chama Vida. A navalha se chama Tempo.

Um comentário:

dicionarista-embaçado disse...

Lembro da lenda do homem de quem a barba, conforme cortada de um lado da face, crescia do outro.