quinta-feira, 27 de novembro de 2008

Rouba-monte

Em um certo ponto, a vida pára de nos dar coisas e começa tirá-las.


Vez ou outra, ouço de alguém que sou muito novo, que ainda tenho muito tempo, que não preciso me preocupar que "logo logo" tudo dará certo. Sempre ouço que em pouco tempo, eu vou acabar conquistando tudo aquilo que a vida tem pra mim. E eu tenho tentado ir atrás, do jeito que eu sei, do jeito que eu consigo. E, se chega um ponto que a vida começa a tirar as coisas da gente, e que esse momento chega quando ela pára de dar coisas novas, receio que tudo o que me dizem é um bando de tagarelice sem sentido.

Ao meu ver, eu já recebi tudo que a vida tinha pra me dar e vou gastando aos pouquinhos o que tenho pra não ficar sem. Curtir minha família, meus amigos, minha juventude, meu dia a dia. Cada dia é um a menos, é um mais perto do fim. É um dia a menos com minha mãe, minha irmã, meu pai. Um dia a menos com meus avós. Um a menos com meus amigos. Cada dia que passa é inclusive um dia a menos com a minha mulher ou simplesmente um dia a menos para perceber que ela nunca existiu.

Vejo tantos amigos que perderam entes queridos e vejo as marcas tão profundas que eles carregam. Não de arrependimento, não de rancor. Apenas aquela saudade que não pode ser extinta. Desde que vi um amigo perder o pai um tempo atrás, eu tomei uma decisão na minha vida que foi a de tentar aproveitar o máximo o tempo que tenho com as pessoas que amo. E me frustra muito ver que muitas vezes essa decisão só é tomada quando se é tarde. Abrir mão de uma noite de sono, de uma aula, de um dia em casa... atravessar a cidade ou até o estado para passar um pouco de tempo que seja com um amigo, um familiar. Gastar um pouco mais de dinheiro pra sair mais vezes, seja pra jantar, pra beber, pra dançar ou apenas pra rir muito.

Hoje li o texto de um amigo dizendo sobre "as coisas/pessoas que sentem falta de nós". E, questões de autoestima à parte, a conclusão do texto pra mim é a conclusão que tiro do rumo que quero levar pra minha vida: fazer tudo por aqueles que estão e permanecerão ao lado.

Quando o jogo da vida começa, as cartas são dadas. Aos poucos você conhece seus parceiros e percebe que o jogo inteiro é contra a falta de vida. Ou, a morte, se assim preferir. Você vai fazendo seu monte com aqueles que te cercam e do outro lado fica ela, esperando você vacilar e deixar a carta errada aparecer, só pra roubar tudo de você. Claro que podemos roubar o monte de volta. Mas Deus sabe que às vezes perdemos cartas que nunca mais recuperamos porque você já gastou a carta que poderia recuperá-la. De vez em quando, acabamos com as nossas cartas antes mesmo que o jogo acabe - e é nesse momento que ficamos olhando, impotentes, enquanto nossos montes trocam de mãos e as nossas cartas são separadas pra cá e pra lá. O que espero que nessa mesa tão grande, é que eu saiba dar minhas cartadas na hora certa.

Espero mesmo que já não tenha gastado minhas cartas antes do tempo. Porque se isso aconteceu, quando eu mais precisar será quando eu mais vou sofrer.
Espero mesmo que meu monte não acabe antes do jogo. Porque se isso acontecer, eu me tornarei uma carcaça vazia, um corpo sem alma.
Espero mesmo. Porque só me resta esperar. E proteger meu monte pra ela não roubar.


O curinga pode ser qualquer um, mas não é ninguém. O curinga não tem par.

2 comentários:

Anônimo disse...

Se olhos cansados näo podem ver, imagine enxergar...

dicionarista-embaçado disse...

Muita gente passa a vida como o jogo. Se esforça em manter as cartas à sua volta, mas não sabem exatamente o porquê.
E é tudo estratégia.
Estas supra citadas jogam bem, pois jogam sempre. Estão sempre com montes grandes e isso pede que a rotatividade das cartas seja intensa.
Prefiro meu pequeno monte feito de cartas únicas. De pontos fora da curva.