quinta-feira, 15 de julho de 2010

ICQ e a efemeridade da importância


Na maioria das nossas relações interpessoais, o nosso contrato social exige apenas uma interação funcional - com seu supervisor, apenas a faceta profissional; com o gerente da sua conta no banco, apenas o seu rendimento; com colegas de faculdade, a faceta acadêmica. Não se espera mais do que isso, mesmo que em algumas ocasiões, a relação pode extrapolar os limites pré-estabelecidos. Mas, quando começamos a buscar uma interação mais completa, explorando talvez a pluralidade das facetas que expomos e compartilhamos? Pode acontecer uma confusão entre a interação com a pessoa em si (todas as facetas) ou apenas com a função que ela exerce no suposto contrato social estabelecido. Sei que analisar deste modo parece muito analítico, por isso quero tentar trazer para uma compreensão mais pessoal. Para isso, temos que responder: como consideramos ou como somos considerados por tal pessoa?

Amigo ou ombro amigo?
Confidente ou alguém de confiança?
Memória ou lembrança?
Companheiro ou companhia?

De um lado, a posição de alguém que não representa apenas um papel na vida da outra pessoa. O amigo, confidente, companheiro, o que gera memórias constantes. É o que queremos ser para as pessoas que realmente nos são importantes. Do outro lado, o ombro amigo, alguém de confiança, uma companhia ou alguém que evoca lembranças. São apenas papéis que representamos na vida de algumas pessoas - relacionamentos baseados em conveniência, ou seja, completamente superficiais e dispensáveis - mesmo que a característica em questão seja algo pessoal. Assumimos papéis na vida da outra pessoa - ora pelo momento em que se vive, ora pela personalidade que se tem. 

A frustração que pode ocorrer é a de, por exemplo, acreditarmos sermos amigos e na verdade sermos apenas ombro amigo. Geralmente isso ocorre quando o relacionamento se baseia ou inicia em um momento específico (e intenso) da pessoa - a morte de um ente querido, início de uma faculdade ou novo emprego, término de um relacionamento. Com o passar do tempo e o compartilhamento de uma experiência tão marcante, pode-se criar uma ilusão de um suposto envolvimento completo ou mais significativo. Afinal, seria muita insensibilidade não considerar importante alguém que passou por um momento tão importante com você, né? Na verdade, não. Algumas vezes, é exatamente isso que acontece - a pessoa é justamente apenas um ombro amigo, alguém que está lá nos momentos difíceis e que "some" nos momentos bons. A pessoa é apenas uma companhia no momento ruim e não um companheiro para todas as etapas da vida.

Basta ver a sua lista do ICQ, os testimonials do orkut mais antigos ou uma lista de e-mails de alguns anos atrás. Sem dúvida, você encontrará alguém que supostamente era um grande amigo (ou grande amor), alguém que era tão importante e que, se você não encontrasse a lista por acaso, nem lembraria da existência dela. Amigos que eram tão próximos e que hoje só se lembra (e olhe lá) nos aniversários. O fato é que há pessoas que consideramos mais importantes do que elas nos consideram - e o oposto também acontece. Ou seja, nossa importância é relativa e efêmera.

Eu sempre fui um "resolvedor de problemas" e por esse motivo, tive muitos relacionamentos pessoais que começaram com a premissa de um momento intenso. Conversei com muitas pessoas em momentos difíceis e pude aconselhá-las ou confortá-las. E praticamente todas elas, após resolverem seus problemas, desapareceram e seguiram com suas vidas. Não estou aqui pra reclamar disso ou dizer que "ninguém me ama, ninguém me quer". Apenas expondo um fato inegável - quanto mais nos apegamos aos nossos papéis, menos expomos a nossa totalidade. Com isso, negamos a oportunidade de criarmos relacionamentos mais significativos e aumentamos a incidência da solidão.

Não posso negar que me entristeci com algumas pessoas que acreditava ter uma interação mais completa, assim como sem dúvida já devo ter causado tristeza a alguém por descreditar a confiança dela no mesmo fato. Aprendi a aceitar mais a minha posição em algumas relações e já não fico mais (tão) abatido, mesmo que ainda perplexo, com algumas (não-)reações. Infelizmente, não se consegue ser forte e consciente todos os dias. 

Pessoa ou papel representado? Quem é você hoje?
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Um comentário:

dicionarista-embaçado disse...

Acho que depois do pós-modernismo de conceitos gosmentos e indefinições, voltamos pendularmente ao enciclopedismo do século XVIII - classes, filos, gêneros, pastas, listas, grau de prioridade et cetera. A alguns, falta se colocar em uma categoria devida e ai o chefe tenta ser BFF. A outros, falta coragem de dar um abraço e quebrar o protocolo consuetudinário.

Amigo, irmão, colega - por isso é que pessoas eu categorizo por nome próprio. Cada um em uma.