segunda-feira, 18 de maio de 2009

As letras que (in)definem a vida nas entrelinhas

(Um pouco de quem escreve, pois essa é a prova de que eu acredito nisto que faço. Escrevo.)

Nunca gostei de limites, acho que foi por isso que abandonei a igreja por um tempo e abandonei a religião definitivamente. Afinal, se eu mal consigo limitar a minha imaginação, como poderia limitar um Deus que vai além de tudo que eu consigo pensar e imaginar? E hoje a minha fé, mesmo sendo tão pequena, é toda dEle, não esbarra em nenhuma regra, lei, dogma ou doutrina. E, por isso, que voltei a ir pra igreja. Porque lá, quando as pessoas falam dEle e com Ele, eu consigo vê-Lo assim, tão simples, sem pompa ou vestes brilhantes, sem regras ou restrições. E eu aprendo a vê-Lo também aqui, do lado de fora. A velha história de quem faz a escola é o aluno.

Mas, o intuito de falar dessa aversão a limites é tentar explicar porque eu gosto tanto de ler e escrever. Acho fantástico o fato de que nos livros se pode inventar histórias, contos, personagens. Pode-se até criar palavras, cores, sentimentos. Mesmo a página tendo suas margens e limitações, entre os quatro cantos da folha, não há restrição alguma. As palavras extrapolam das linhas, das folhas e perde-se a noção das páginas que se foram, das que faltam e em uma frase se constrói um mundo. Há quem diga que essa visão romanceada de tudo faz com que eu deixe de enxergar a vida como ela é. Eu comecei a aceitar essa idéia mas hoje eu percebo que resolvi ver a realidade como ela é, mas sem ignorar o que ela pode ser. Sem ignorar as entrelinhas. Vou tentar explicar com um exemplo. Hoje de manhã eu vi uma menina de uns 3 anos com uma mochila nas costas. Ela estava nas costas do pai, que ia de bicicleta levando a menina pra escola.

(A primeira constatação é que eu sempre parto do detalhe para o cenário completo. Acredito que cada peça do quebra-cabeça tem sua história para contar e que, na história, ela explica o motivo de ter se encaixado naquela figura toda. Por isso um amigo meu me disse um dia (e também é o título do blogue), "vejo o macro no micro".)

No começo achei bonita a cena, coisa de pai e filha. Depois achei graça de ver a menina carregando a mochila e sendo ela mesmo uma mochila para o pai. Depois de alguns segundos, achei interessante o fato de que a menina carregava em sua mochila os materiais que a fariam aprender e a crescer. E do mesmo modo, a filha, sendo mochila, carregava dentro de si tantas coisas que faria o seu pai crescer. E do mesmo modo que na mochila da filha se escondia coisas que até ela mesma desconhecia (tem sempre um livro com uma parte não lida, um caderno com linhas não escritas), nela também havia coisas desconhecidas que serviriam de aprendizado para o pai. Ao chegar na outra rua, uns 150 metros mais tarde, já via todos como mochilas e mochileiros, cada qual guardando dentro de si tanto para ensinar e que muitas vezes desconhecendo a sua capacidade. Do mesmo modo, cada um carrega a mochila que julga interessante para dela aprender. Assim escolhemos as pessoas (ou mochilas) que carregamos para lá e para cá em nossas vidas. Uns escolhem porque são bonitas ou de marcas famosas e caras, outros porque acreditam que dentro delas (mesmo sem elas mesmos acreditarem), tem algo que vale muito a pena.

Acredito que não escondi a realidade ou menti pra mim mesmo vendo uma ilusão. Eu vi a cena mas, na minha mente, seria pequeno demais aceitar que uma cena tão interessante fosse apenas uma imagem de um pai levando a filha para escola. E tenho certeza que se conhecesse a história deles, de onde vieram e para onde estavam indo, tudo ficaria tão mais interessante e amplo. Uma imagem vale mais do que mil palavras, mas aprendi que uma palavra pode render mil imagens também. (Acho que por isso que enxego parênteses em tudo). Pra tentar resumir tudo, resolvi não abdicar do meu modo de ver o mundo, mas aprendi com as "mochilas" que eu levo comigo, que não posso abdicar de ver a realidade como ela é. Vivo aqui, mas vivo também lá, "detrás do mundo quando começo a pensar". E essa visão de estrangeiro é que me permite querer ouvir, entender e aprender sempre que acordo de manhã.

Leio e, principalemte, escrevo, porque gosto de tentar colocar no papel que tudo vai além do que se vê. Tento relatar um pouco de como vejo o mundo, falar um pouco sobre o que carrego aqui na minha "mochila". E, assim como o pintor que mescla as cores e coloca na tela branca para revelar algo que acontece dentro de si, eu também o faço. Só que o meu pincel é o lápis, as minhas cores são as letras e palavras e a minha tela é o papel em branco. Mas as definições e os motivos mudam com o tempo, não há limites ou encaixes fixos. Sigo um pré-escritor.

Um comentário:

Denise Borges disse...

"...outros porque acreditam que dentro delas (mesmo sem elas mesmos acreditarem), tem algo que vale muito a pena."
Ah, vale... Já falamos sobre isso. Mesmo sem você acreditar...

"...resolvi não abdicar do meu modo de ver o mundo, mas aprendi com as 'mochilas' que eu levo comigo, que não posso abdicar de ver a realidade como ela é."
Welcome to the real world and accept that it may be worse than what you expect.