sexta-feira, 8 de maio de 2009

Um dia após o outro

Naquela manhã fria de sexta-feira, as calçadas do parque estavam estranhamente vazias. Nas árvores as últimas folhas se desprendiam e caiam em câmera lenta até o chão. Ou talvez era o topor do sono que não me deixava ver direito pelas pálpebras entre-abertas. Era aquele momento em que não se vê nem se ouve claramente, as imagens e os sons formam uma cornucópia inteligível que se mistura com as vozes reverberando do mundo onírico. Ainda sonolento, fiz uma prece, a única que tenho conseguido fazer. Pedi paz, aquela de que Paulo falou aos moradores de Filipo, a que excede compreensão. No trecho em que caminhei, o vento estava frio mas o ar agradável. Sem peso nem receio, mesmo consciente do que haveria de vir.

Sempre gostei de olhar para o céu. Quando criança, o maior desejo era voar - até enfiei o dedo na tomada pensando que um choque poderia me dar poderes. Acabei tomando um choque e ainda com um pulso torcido por ter tentado voar pulando da janela. Mas algo lá em cima sempre me fascinou. Olhar para o alto era a confirmação que tudo aqui embaixo não era tão importante assim. Era como se algo puxasse pra cima, além das nuvens, além da chuva, na luz direta do sol do meio-outono ainda feita-tímida pelas primeiras horas da manhã. Foi esquisito não sentir os braços gelados, as dores nos joelhos e o sono capaz de sobrepujar as doses mais cavalares de cafeína.

Aos poucos, assim como Pedro ao olhar para a tempestade, comecei a afundar novamente na minha realidade. A mochila nos ombros, os carros, as buzinas, uma risada estridente, um xingamento cá e lá. Quando o farol abriu, eu já sentia os joelhos doloridos e bocejava. O relógio marcava oito e meia quando entrei no banco e o tempo começou a passar novamente. O céu não é igual visto daqui de dentro, mas além do concreto o sol começou a brihar. Um momento lá em cima era tudo que eu precisava. E sigo assim, meio sem jeito, até o dia em que não haja vidros entre o céu e eu.

Um comentário:

dicionarista-embaçado disse...

acho que já fiz esse comentário: ... pés no chão e cabeça nas nuvens. Haja crescimento.