segunda-feira, 25 de maio de 2009

Mergulho

Na sexta à noite, já era evidente que a situação havia fugido do seu controle, se é que em algum momento já esteve. Mesmo com a aparente melhora ocorrida nas últimas semanas, o mal arraigado não se retira tão facilmente. A doença o corroia fazia tempo e, por fim, parecia que a batalha estava chegando a seus momentos derradeiros. Seus olhos fundos e cheios de falta de vida, a palidez e o cheiro funesto que emanava da suas palavras davam claras evidências de qual lado sairia vencedor. Como tudo na vida, era apenas uma questão de tempo até que algo mude ou até que houvesse desistência. E ele estava cansado de relutar, cansado de melhoras temporárias que só indicavam que o algo pior estava por vir, cansado de esperar por um milagre que só Deus sabe se viria. E naquela sexta, ele sabia que a pequena força que havia juntado era porque o próximo golpe seria um ultimato. Então veio o sábado de manhã.

O dia havia começado como sempre começava, mas aquela sensação de inquietude enervava seus passos e cada movimento parecia exigir a força que deslocasse uma montanha. Questionou-se se deveria ficar na cama pois olhou para baixo e via apenas os dois pés esquerdos. Mesmo assim resolveu levantar. Apoiava-se em seu único fio que o ligava de fato à realidade, o único que o fazia se sentir ainda humano, ainda capaz de derrotar essa doença. E em alguns segundos, ele decepou os laços faltantes com suas decrépitas mãos e viu, descrente, o último feixe de esperança sendo selado além de seu alcance. Naquele momento, as raízes de sua doença que haviam se espalhado no silêncio com velocidade vertiginosa, trouxeram à tona a percepção, mesmo irracional, de que finalmente havia perdido o pouco que lhe faltava. Ecoou dentro de si um grito alto que foi contido pelos lábios e semblante inabalado. Não era um grito de dor apenas, era um grito de desespero. De desistência.

Essa doença é um mal que avança aos poucos, devastando corpo, alma e espírito. Ainda não contente com o sucesso, consegue minar a personalidade, fazendo com que os expectadores vejam não mais a pessoa que antes ali vivia, mas apenas a doença. Aos poucos, até o seu nome abre espaço e deixa de ser. Ele se encontrava neste estágio - olhava para o passado e viu, golpe a golpe, seu alicerce sendo destruído. Mais que seu corpo sendo atacado, ele via sua fé, sua esperança, ruindo com as muralhas de seus valores. "Quanto tempo mais até que esqueçam meu nome?", ele se perguntava. E, naquele sábado, ele não viu mais motivo para se perguntar.

Nenhum dos recém-chegados planos ou desejos era capaz de subsistir esse levante. O único sonho antigo que ainda estava vivo era diretamente ligado ao elo destruído. E, por fim, viu-se novamente nas trevas, envolvido pela doença, sem cura. O resto do sábado foi andando sem rumo, repouso sem descanso, tudo por detrás de uma máscara que não fazia mais sentido usar. Mas, por um tempo, resolveu guardá-la. Era apenas uma questão de tempo para que ela também fosse esquecida. O sono foi pesado, permeado de desejos intensos para que se tornasse eterno. Mas quem ele queria enganar? Se não havia sido fácil até então, porque seria neste sábado à noite? Não morar sozinho e se sentir como se assim fosse é muito pior do que estar sozinho de fato.

E no domingo, chegou o mar de interrogações que estavam estocados dentro do peito. Vez ou outra ele emergia, mas logo era contido pela represa da responsabilidade e necessidade. E, mesmo sabendo de algum modo que tinha valor, que era amado e que talvez houvesse saída, não conseguia achar motivo para que aquilo existisse. Pior ainda, não via como fazer com que durasse. Olhou para suas mãos que estavam feridas por se segurar com tanta força ao resto de vida que lhe sobrava e resolveu que era hora de largar. Cumpriria seu papel por mais um tempo, como se fosse seu aviso-prévio à existência. E assim seria abraçado completamente pela doença, que agora se tornara sua cura. O veneno que é remédio. Sabia que os braços dela, quando envolvem, são carinhosos e cálidos, são também aqueles que te levam para o abraço gélido da morte. Não havia mais motivos, se é que um dia houve, para querer se segurar, querer viver. Soltou da corda e começou a cair lentamente para o doce abraço da solidão.

Domingo só não é o pior dia porque logo depois vem a segunda.

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