sexta-feira, 10 de outubro de 2008

Vitrines, Pechinchas e Abacaxis – Um pouco sobre relacionamentos

Se você não vive em Cuba ou na Coréia do Norte, a visão capitalista faz parte da sua vida - independente do posicionamento individual em relação ao sistema financeiro. Os conceitos de custo de oportunidade, investimento, oferta x demanda, monopólio, dentre outros fazem parte do cotidiano da nossa sociedade orientada pelo consumo. O consumo é a base da sociedade capitalista e o seu crescimento decorre de inúmeros fatores - status, marketing, necessidade, etc.

Geralmente, em nossas compras diárias, buscamos no mínimo a sensação de termos pago o preço justo - seja em um tênis, numa refeição, em uma bugiganga qualquer. Há também as duas variáveis da "compra justa" - a pechincha e o abacaxi. A pechincha é quando a percepção de valor excede o preço pago, ou seja, quando pagamos "menos" do que o produto vale na nossa perspectiva. O abacaxi é a ponta oposta, quando se paga demais por algo que não vale tanto. A pechincha pode ser decorrente de uma oportunidade (como uma liquidação ou a visita fortuita em um site/local) ou do esmero da pessoa (o ato de pechinchar, "chorar" por um preço mais em conta). Igualmente o abacaxi pode ser decorrente de um engano (quando o produto frustra a nossa expectativa, pois no momento da compra parecia justo) ou simplesmente da necessidade (como comprar capa de chuva em estádio - você vai pagar mais do que aquele pedaço de plástico vale).

O motivo pra comentar sobre os nossos hábitos de consumo é que em sua mecânica, eles se assemelham muito ao modo como nos relacionamos com as pessoas - ao menos no momento em que as conhecemos. Nós olhamos a pessoa, analisamos as características, vemos o que deve ser investido para conhecê-la e decidimos se vale ou não a pena investir. Partindo desse conceito, cada amizade feita seria uma "compra" e cada consumidor tem um modo diferente de fazer compras, seja este definido pela personalidade da pessoa (fatores internos) ou pela condição externa, como sociedade, valores, condição financeira, etc.

Portanto, considera-se doravante que "compra" é o ato de fazer contato social. Apesar de ser complicado considerar que se "compra amigos" por trazer uma idéia negativa, precisamos nos desvencilhar do significado já solidificado e criar um novo conceito para a idéia de compra. Investimento é o recurso despendido para conquistar o relacionamento - seja o custo de deslocamento ou o tempo gasto (e as suas decorrências). O texto trata-se, portanto, de uma teorização do relacionamento humano por intermédio do uso de analogias combinado com um exercício de descontextualização de um conceito outrora inadaptável.


Compra Específica x Compra Espontânea

Um dos modos de identificar que tipo de comprador nós somos é pela classificação dos tipos de compra que temos. Em linhas gerais, pode-se dividir a compra em duas características: específica e espontânea. Cada qual com seu tipo específico de loja, posicionamento e mercado alvo. Uma questão, porém, que se repete nos dois estilos de compra é o fato de que quando se espera gastar uma grande quantidade de recursos ou se o produto a ser adquirido possui alto valor perceptível é que há uma interação antes da compra.

Explico: quando se compra algo importante, não simplesmente olhamos pela vitrine e já compramos sem ao menos ver - queremos perguntar os detalhes, saber como funciona, pegar na mão (mas se pegar na mão e quebrar, tem que levar). Se a compra é realmente importante, há investimento. Para todos os efeitos, em relação a relacionamentos, as compras sem interesse (viu e comprou) são desconsideradas. Afinal, não consideramos relacionamento quando não há interação. "Pegar" alguém na balada ou conversar com alguém na fila do banco, por exemplo, não é considerado uma "compra".

Mas voltando à característica que define a compra, em relação ao local e o posicionamento das lojas, há diferenciação. Enquanto o específico prefere lojas especializadas e posicionadas em locais mais reservados ou de acesso restrito, o espontâneo busca lojas de produtos gerais e de acesso mais fácil e rápido. Exemplificando, pode-se dizer que o específico é aquele que busca uma loja de charutos em algum reduto do centro da cidade e o espontâneo aquele que anda em complexos de lojas (como shopping centers) ou lojas de departamento. Outro ponto que pode ser levantado é que em relação às lojas virtuais, os espontâneos tendem a buscar os sites/ferramentas que possuem maior abrangência de contatos (flickr, orkut, msn) enquanto o específico busca sites menos conhecidos (blogues especializados em certo tema, fóruns de discussão com acesso restrito). Já nas lojas físicas (bares, baladas, clubes), os espontâneos tendem a não criar barreiras para eventuais compras e em alguns casos vão com esse propósito em mente, enquanto os específicos dificilmente vão com o intuito de comprar - a não ser que o produto já seja previamente conhecido.

Por fim, o comprador específico costuma ir sempre direto ao ponto e raramente se depara com alguma oportunidade ou surpresa para uma compra "fora dos planos". Quanto ao espontâneo, por dificilmente ir à busca de algo pré-definido, aumenta exponencialmente a sua gama de oportunidades e assim se expõe para mais surpresas e novas compras - obviamente que com essa postura, há também um maior risco. Em relação a isto, não há posicionamento correto - geralmente o contraste entre ir direto ao ponto ou "ir à passeio" existe em toda pessoa, o que define é o momento vivido e o estado de espírito.

Pechincha x Abacaxi

Como já dito no início do texto, a compra pode ser pechincha, abacaxi ou de preço justo - sobre relacionamentos, raramente existe coisa como "preço justo" em um compra. Ao fazer contato para dar início ao relacionamento, geralmente se resulta em abacaxi (quando se investe mais do que deveria) ou pechincha (quando se investe menos do que realmente vale). Preço justo geralmente ocorre quando compramos algo que já conhecemos (o que não se aplica a início de relacionamentos) ou quando não há interesse/expectativa na compra. Há também em cada uma das vertentes, dois tipos de subcategorias: a pechincha pode ser por oportunidade ou por esmero; já o abacaxi pode ser por engano ou por necessidade.

A pechincha oportunidade seria o melhor cenário - ocorre quando não se está procurando nada em específico e se consegue uma grande compra por estar no lugar certo, na hora certa. A pechincha esmero é aquela que ocorre depois de "chorar" o preço - no relacionamento, a pechincha por esmero pode ser nociva pois ela põe à frente o investimento ao invés do valor da pessoa, ou seja, o foco é egoísta. O abacaxi engano é aquele que surge das boas intenções - a pessoa acredita e decide investir em uma compra e o resultado é catastrófico. Já o abacaxi necessidade é aquele que resulta de uma atitude centrada em si, por uma necessidade própria (seja ter muitos amigos, auto-afirmação, massagem no ego, etc). Assim, dispõe-se a gastar conscientemente mais do que o valor percebido na mercadoria - este é o pior cenário e, geralmente, com as piores consequências (por exemplo: decepções com amigos falsos, rolos intermináveis, amores unilaterais e etc).

No início, somos capazes de classificar com precisão todo e qualquer relacionamento. Reitero que essa análise é feita no começo de qualquer interação visando relacionamento - no decorrer do tempo, boa parte dos relacionamentos tendem a cair no preço justo, afinal aprendemos a investir corretamente. Mas há sim, algumas raras pechinchas que se tornam abacaxis e, mais raros ainda, abacaxis que no longo prazo se tornam pechinchas.


Considerações Finais

Ao contrário de uma compra normal, há a necessidade de levarmos em conta que nesse cenário sempre atuamos os dois papéis - somos ao mesmo tempo comprador e mercadoria. Estamos falando de comprar uma participação na vida da pessoa e, ao mesmo tempo, vender a ela uma participação na sua vida. Por esse motivo, é recomendável saber o preço depois. Saber o preço antes faz com que se crie foco em quanto se gasta (investimento) ao invés de quanto se ganha (valor). E automaticamente cria-se o mesmo padrão na pessoa - ou ao menos abre precedente para que isso ocorra. Trocando em miúdos, uma pessoa cresce em valor quando se está disposto a "pagar mais do que ela custa. Por consequência, ela também se dispõe a investir mais.

E nessa vida em que passeamos do lado de fora e dentro das vitrines aqui e acolá, temos que saber escolher bem as nossas compras não só por aquilo a se investir, mas por aquilo a se oferecer. A (terrível) beleza deste mercado é que os dois lados escolhem, negociam, chegam a um veredicto. (Obviamente, há pessoas com mais "habilidade" que outras, seja para vender ou para comprar). Para bom comprador, não basta ter apenas uma boa vitrine - é preciso também ter qualidade, durabilidade e identificação. Mas vale lembrar que uma má vitrine pode fazê-lo desistir.

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Agradecimento especial ao ilustre Flávio Oota pela colaboração imensa para criação desse texto.

Um comentário:

dicionarista-embaçado disse...

Sobre as idéias:
Eu me sinto em video-game de RPG quando o assunto é relação interpessoal. Quanto de stamina, health e gold eu vou investir neste ou naquele? Há também aquele consumidor chato, que sempre requer algo utilizando-se do "estou pagando". É algo como a tua pechincha esmero, porém mal-educada. Convivas, colegas e almas-gêmea não vêm com manual, contrato e muito menos garantia extendida. Ah! Não falaste da fidelidade comercial! Há aqueles que só compram suas calças no alfaiate Genésio - qualidade garantida... porém, acaba-se com um guarda-roupa igual ao da Mônica.
Enfim, cuidado com tautologias. Já te disse que tens uma habilidade megazórdica com analogias, porém, não perca o foco.


Compra? Eu talvez escrevesse sobre aluguel [que não deixa de ser uma compra, mas com leis do inquilinato a possibilidade analógica é exorbitante!]