segunda-feira, 19 de outubro de 2009

Com as duas mãos no volante

Bifurcação em frente, um muro no meio. O homem está no volante e tem que virar à esquerda. Ao seu lado, a mulher não tem outra opção a não ser ir para a direita - é o caminho dela. Ele tomou a decisão e possui o volante nas mãos. E aí ele faz o que todo homem costuma fazer em uma situação desse gênero: cita o óbvio (Vamos bater!) e joga a decisão para a pessoa sentada ao seu lado (Eu não posso ir com você, mas você que sabe se quer continuar aqui.), mesmo sabendo que não há um outro caminho que ela possa seguir a não ser o oposto do que decidiu tomar. A suposta isenção de responsabilidade depois serve de justificativa por eventuais acidentes, ainda mais quando é corroborada pela postura da passageira que se mostra irredutível quando o assunto é mostrar o que realmente se passa consigo. Ela diz que não liga se ele pode ou não ir com ela, começa então a (ainda mais) intensa e frequente mudança de comportamento. Nos momentos de sensatez, pede pra descer e começa a seguir seu próprio caminho. Nos de orgulho ferido, volta para o carro alegando, novamente, não se importar com o destino que ele vai.

Ele assume a não tão confortável postura do "eu avisei" e ela coloca os esmagadores sapatos do "eu não me estou envolvida". O que ele não sabe é que simplesmente citar o óbvio e jogar a responsabilidade pro lado de lá, não vai inocentá-lo por ter trazido a passageira do carro - e não adianta alegar que ela veio porque quis, ainda mais porque as suas mãos estão no volante, os seus pés nos pedais e o caminho traçado na sua mente. Ela, do outro lado, não sabe que mentir descaradamente alegando não se importar é apontar a arma carregada para o próprio peito, com disparo certeiro caso os caminhos se separem apenas na bifurcação. Rupturas assim não andam de mãos dadas com readaptação - por isso mesmo que é bem provável que ele vai novamente carregar em seu carro outras passageiras reticentes e seguir o mesmo roteiro. Enquanto do outro lado, ela também irá pegar carona com motoristas que não se importam com o caminho que ela quer seguir - ou que apenas se importem mais com o próprio caminho.

Um outro acontecimento comum é quando as contrapartes realmente se importam um com o outro - mas não o admitem por alegarem que se as cartas estiverem na mesa, a separação seria pior. Ledo engano, erro crasso. Apenas a verdade (o que inclui, sem dúvida, abrir mão do orgulho e da ilusão do controle) é capaz de fazer com que ambos sigam seus caminhos sem olhar para o retrovisor com dúvidas. Jogar limpo faz com que, de repente, haja a tomada de decisão de mudar o lado da curva e tentar prosseguir juntos - ou simplesmente haja a compreensão sem arrependimentos de que, em algumas vezes, os caminhos se cruzam por tempo determinado. Por mais que tenhamos o volante nas mãos e o poder de guiar as nossas curvas, não temos como andar fora de um caminho. Em cada curva feita, para cada nova estrada que trilhemos, deixamos pelo caminho as marcas de nossos pneus. Mas deixamos também alguns dos passageiros que estavam conosco (ser humano é ser motorista e passageiro ao mesmo tempo) e levamos outros que encontramos no caminho.

Portanto, homens, sejamos sinceros em relação ao nosso caminho, sejamos verdadeiros homens ao assumirmos a responsabilidade de ter o volante nas mãos e deixemos de lado o costume de apenas citar o óbvio - falemos também sobre como vemos o óbvio. Podemos nos surpreender com a visão da passageira ou como a nossa visão é passageira. Quem sabe até retardemos a nossa velocidade ou mudemos a rota para que possamos trilhar um caminho de verdade, realmente acompanhado.
E, mulheres, são usem os sapatos mais apertados que os próprios pés - literalmente(ish), desçam do salto da suposta indiferença e joguem com sinceridade. Se houver reciprocidade, a carona será completa. Se houver desdém, mesmo com o orgulho ferido, as suas pernas estarão fortes o bastante para seguir o seu caminho. Mulher de verdade é aquela que entende que ter um coração que bate não a faz uma mulher fraca (ou retrógrada).
Isto independe do muro que se apresenta nas nossas bifurcações - seja diferença de raça ou credo, seja diferença de idade, aceitação da família, crise de valores ou a distância (que bem se encaixa na analogia proposta). No fim do dia, somos os únicos responsáveis pelo modo como dirigimos pelo caminho e se estaremos sozinhos (ou não).

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O propósito desse texto não é julgar ou apontar dedos - ainda mais com a certeza de que nesse caminho já fui tanto culpado como vítima - mas sim trazer à luz uma questão que vem sido discutida em diversas ocasiões, com diversos personagens principais (inclusive este que vos escreve), porém sempre com o mesmo desfecho e posterior epifania. Além disso, o modelo homem dirigindo / mulher passageira foi adotado por ver a história se repetir sempre nesse padrão, não por adotar uma postura patriarcal.
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